O teorema de Thales em versão esférica
1 O célebre teorema de Thales, que tem 2.650 anos, relaciona-se com um princípio fundamental da proporcionalidade: se interceptarmos duas rectas por várias rectas paralelas, a razão entre os comprimentos de dois quaisquer segmentos determinados sobre uma delas é igual à razão entre os comprimentos dos segmentos correspondentes determinados sobre a outra.
Lembrei-me deste conhecido teorema, a propósito de quatro situações da passada semana futebolística. Não tanto para falar sobre a igualdade da razão entre comprimentos (leia-se, neste caso, normas, leis e regulamentos iguais para todos), mas antes da amplitude dos segmentos paralelos interceptados (leia-se diferentes formas de poder).
A primeira, foi no jogo Farense-Rio Ave. Com 1 minuto de jogo, o jogador algarvio Ryan Gauld marcou um golo absolutamente limpo. A jogada é muito rápida e o árbitro ter-se-á equivocado e, ao invés, marcou falta do avançado sobre o guarda-redes. No entanto, o VAR tinha ao seu dispor aquilo que todos vimos na televisão: o jogador do Farense nem ao de leve tocou no guardião e até foi este que fez uma evidente falta. O golo deveria ter sido validado. O Farense perdeu o encontro. Houve protestos (mais do que legítimos), mas, passados estes momentos, o assunto foi encerrado e feneceu no esquecimento. Não houve mil repetições do lance nos canais televisivos, não deu lugar a parangonas na imprensa, as discussões passaram ao lado deste monumental erro. Agora, imaginemos que o lesado era um dos grandes. Não se teria falado de outra coisa e seria citado até ao fim do campeonato como expressão convincente do prejuízo ou do ganho obtidos. Quem sabe se já haveria comunicados e contra-comunicados, protestos junto das instâncias devidas e indevidas e tudo ficaria em brasas. Eis a injusta (des)proporcionalidade, neste caso do erro flagrante: se afecta um clube pequenino ninguém o reporta, se médio quanto muito uma notícia em jeito de quase rodapé, se grande, é o fim do mundo.
Segundo facto: o Sp. de Braga venceu categoricamente os dois jogos na Liga Europa. Assim está a contribuir para o ranking, de que os principais beneficiários são os que poderão arrecadar mais dinheiro na … Champions. E o que foi noticiado ou analisado? Quase zero. É que o Sp. de Braga, apesar de todo o seu crescimento, ainda não foi promovido a clube grande. Para constatar a tal (des)proporcionalidade de Thales, basta atender ao que disse o seu competente e gentleman treinador, Carlos Carvalhal: «Lamento que uma equipa portuguesa tenha sido a equipa que mais atacou na jornada europeia no encontro frente ao AEK e que esse aspecto não tivesse sido valorizado na imprensa. Fico incrédulo e revoltado com isso. O mais importante é a meia do Manel, o brinco do Joaquim e a tatuagem do António. O SC Braga fez mais pontos para Portugal, para o ranking. Estamos a competir e queremos ser valorizados.» Subscrevo inteiramente.
Em terceiro lugar, a (des)proporcionalidade na Europa. Na Champions há VAR na fase de grupos. Na Liga Europa, nem pensar. Não é sequer uma questão de custos, pois a UEFA vive à grande e à francesa. Todavia, trata diferentemente o que deveria abordar de modo semelhante. Como se justifica que a preocupação pela verdade desportiva seja imperativa num jogo da Champions e não o seja num jogo da Liga Europa? Inconcebível, injustificado, ilegítimo, um mau exemplo de (des)proporcionalidade (neste caso, monetária) de tubarões versus outros clubes. E sinto-me à-vontade para falar deste ponto, constatando que o Benfica - que venceu justamente (e por poucos golos, para o que fez) o Standard Liège - viu um livre transformado num penálti a seu favor e um penálti transformado em livre para os belgas (também não foi assinalada uma outra penalidade a favor do Benfica). Curiosamente, há dois anos nos quartos de final (sem VAR), o Benfica foi eliminado em Frankfurt por um fora-de-jogo claríssimo, mas não assinalado.
Em último lugar, falo do regresso a um sibilar dourado, em Paços de Ferreira, aliás, na continuação de jogos recentes do FCP. Houve um árbitro e um VAR que, noutro país futebolisticamente mais decente, já não apitariam mais esta época, tais os erros (?) que cometeram numa dupla narcísica. É certo que o Paços venceu o FCP por 3-2 (que bem poderiam ter sido 4-1…). Thales aplica-se em cheio à tal dupla. Quanto mais as rectas dos seus erros (?) se tornaram convergentes, menos passos teve o Paços para chegar à vitória. Felizmente, escreveu-se direito por outras linhas mais… esféricas.
2 Grande vitória do Benfica no acto eleitoral. Inigualável dia de benfiquismo. Um recorde de afluência a que quase nenhum clube do planeta ousaria chegar. Uma votação pelos quatro cantos do mundo de um clube verdadeiramente universal. Um amor ao clube que, num dia de semana de trabalho e no auge de uma pandemia, aguenta três horas na fila para votar. Várias listas e posições em confronto, o que é uma sã prova da pujança democrática do clube. Uma serenidade, a todos os títulos notável. Uma votação de todas as gerações, de todas as proveniências, de benfiquistas desde um ano de sócio até pessoas com muitas dezenas de anos de associado. Uma preocupação de unidade, que não de unicidade, feita de clubismo e diferenciação de abordagens sobre o futuro do Benfica, após o anúncio dos resultados.
Venceu Luis Filipe Vieira e todos os votantes nele ou noutros candidatos têm agora o dever de o acompanhar e de o ajudar para a concretização dos objectivos exigentes que entendeu traçar. Finalmente e em boa hora, o presidente do clube há 17 anos teve uma alternativa séria, credível, honesta, competente. Vieira deve entender bem o significado dos 35 por cento de votos na outra lista e Noronha Lopes e a sua equipa têm o dever de, saudavelmente, exprimir nos lugares próprios as suas diferentes propostas. Acabou, assim, o tempo de eleições quase norte-coreanas, que podem ser cómodas para quem ganha, mas não são necessariamente adequadas para um clube com a grandeza do Benfica, no qual a diferença deve ser estimada e valorizada.
Só num ponto e na minha opinião, o acto eleitoral poderia ter corrido melhor. Refiro-me à função da mesa da Assembleia Geral. Se votámos digitalmente e materialmente em urna, por que razão ao apuramento informático não se seguiu a contagem física dos votos, como creio estaria assente? Longe de mim pensar que os resultados seriam substancialmente diferentes, mas teria sido uma forma de erradicar os rumores de alguma desconfiança em relação à contagem digital. Ou seja, seria um modo de consolidar definitivamente este processo tecnológico e de nos darmos conta da sua plena fiabilidade, até porque se diz - não sei se verdade ou falsidade - que o software é interno e não auditado por entidade independente. Perdeu-se, assim, uma boa oportunidade para não deixar dúvidas de qualquer tipo.
Boa sorte para Luis Filipe Vieira e sua equipa, que é o mesmo que dizer boa sorte para todos os benfiquistas. E pluribus unum!
3 Que sensação tão boa ver e ouvir 5 mil adeptos no Estádio da Luz como se fossem 65 mil. Como é diferente a Luz com o seu entusiasmo e apoio. Como os jogadores se devem sentir acarinhados e apoiados, neste enquadramento humano, ainda que limitado. E que boa prestação teve a equipa num jogo que, aparentando ter sido fácil, só o foi porque assim os jogadores o tornaram.