O que os move?

OPINIÃO20.11.201803:00

ÀS vezes perguntam-me o que levará um(a) miúdo(a) de catorze, quinze anos, a tornar-se árbitro de futebol. O que lhe passará pela cabeça, ainda pura, ingénua e cheia de sonhos inocentes. A questão, de facto, faz sentido.  São cinco, seis jogos por fim de semana, aqui e ali, além e acolá. Entre uns e outros, muitos quilómetros de distância e poucos minutos de descanso. Pisam relvados e ervados, sintéticos e pelados.
Os equipamentos, comprados com o esforço dos pais ou oferecidos pela generosidade dos colegas, não abundam. Não se lavam sozinhos nem secam entre jogos. As botas duram o tempo que durarem. As pernas cansadas, os tendões massacrados e o orgulho ferido também. O que recebem é quase sempre menos do que o que investem. O que ouvem é pior, bem pior do que o que alguma vez ouviram. O risco da agressão é real e está ali, atrás de cada anónimo descontrolado, de cada adepto embriagado, de cada pai irado.
É verdade. É tudo verdade.
A resposta que dou é sincera: de facto, a arbitragem não é a escolha mais apelativa para quem está em idade de influências, mas não duvidem, é melhor do que outras que os seduzem numa fase tão delicada das suas vidas. Os meninos e meninas que tiram o curso de árbitro cedo percebem que os momentos difíceis são parte importante na construção do seu caráter e personalidade. Dão-lhes maturidade, resiliência, tenacidade. Na arbitragem, os mais pequenos absorvem ensinamentos importantes: o compromisso consigo e com os outros, a importância de trabalhar em equipa e de socializar entre si.
Os árbitros de futebol treinam. Treinam o corpo e educam a mente. São obrigados a cuidar-se, a alimentar-se com qualidade e a privilegiar o descanso. Passam por vários testes físicos e escritos, para os quais aprendem a preparar-se, com rigor e responsabilidade. São avaliados regularmente e cedo percebem que têm que cumprir horários, criar métodos e obedecer a hierarquias. Os que vêm para ficar cedo se apercebem do lado mais irracional dos adultos. Nem isso os desvia da sua missão essencial: garantir a justiça e a verdade desportiva. Essa depende apenas e só da sua coragem, independência e integridade.
Hoje há também a perspetiva de carreira. De subir degraus até ao topo do futebol nacional e internacional, com todos os aliciantes pessoais e financeiros que isso representa. Enquanto árbitro de futebol, a possibilidade de estar lado a lado com os maiores craques da bola é maior. Maior do que a que teriam se seguissem a carreira de futebolistas.
É isso que respondo, quando me perguntam o que leva um miúdo de catorze ou quinze anos a tornar-se árbitro de futebol. Não conheço nenhum que se drogue, que roube ou maltrate os pais. Nada acontece sem esforço, sacrifício e trabalho.
Este universo não é para quem quer. É para quem pode.