O que é vergonha afinal?
De há uns anos para cá interrogo-me bastas vezes acerca do significado de novas palavras, e que antes nunca tinha ouvido, como fico espantado com o uso de outras acerca das quais me questiono se as pessoas têm consciência daquilo que disseram, porque umas vezes pressupõe uma grande lata, e outras atingem o ridículo!
Uma das palavras que escutei, entre a indignação e a estupefacção foi o adjectivo envergonhado, aplicado simultaneamente, com outro adjectivo, que exprime um sentimento de mágoa, aflição, angústia ou pena - triste! Qualquer dicionário da língua portuguesa dirá que triste é aquele que inspira tristeza, que não tem alegria.
Ser ou estar triste não tem mal algum quando corresponde apenas um sentimento. Já o mesmo se não pode dizer de uma pessoa quando, em sentido figurado, se diz que fulano é um triste, porque se pretende qualificá-lo com um insignificante, um miserável. Mas se estar ou ser triste apenas exprime um sentimento que não merece qualquer crítica, desde que tenha razão para isso, o mesmo não se pode dizer dos que fazem figuras tristes, porque isso equivale muitas vezes a atitudes ridículas ou correlativas.
Acontece, porém, que não foi tanto o sentimento da tristeza ou a figura triste que me inspirou, mas, como já referi, o adjectivo envergonhado, ou seja, aquele que é tímido ou acanhado, ou mais simplesmente, que tem vergonha. Também nada tem de mal, perante o que é vergonhoso, isto é, perante o que é indecoroso, obsceno, indecente, infame ou desonroso, confessar que está envergonhado. Aceita-se com a mesma naturalidade com que se não pode admitir que perante o vergonhoso se seja descarado ou se tenha descaramento.
Esta semana ouvi em directo, após uma derrota no estrangeiro, de uma grande instituição nacional, dizer ao seu presidente «estamos tristes e envergonhados». Situei-me entre a indignação de como é que alguém se pode sentir envergonhado por um mero resultado negativo num desafio de futebol e sente-se à vontade, e até elogia, quem mancha de uma forma vergonhosa uma história de um clube que, pese a rivalidade, merece a maior consideração, porque foi construída por homens de causas e ideais.
Julguei que seriam os adjectivos utilizados o tema dos comentários nesse dia e nos dias seguintes. Como me enganei!... Não foi esse o tema, mas sim se tinha ou não sido oportuna a sua intervenção, se tinha feito bem ou mal, sendo que alguns enfatizaram o dar a cara e outros interpretaram como uma crítica aos jogadores e ao treinador, que após um período de beatificação parecem caminhar para a proscrição!
Ainda houve alguém, entre os jornalistas, que entre a tristeza e a vergonha, perguntou em que pé (ou pescoço) se encontrava a situação ocorrida na última assembleia geral da instituição. Como resposta, não ouvi qualquer declaração de tristeza ou vergonha, mas de o assunto seria tratado em local próprio - e estou de acordo - designadamente, numa reunião dos órgãos sociais. Fico curioso para saber das conclusões dessa reunião, nomeadamente, se estão tristes e envergonhados pelo resultado europeu ou tristes e envergonhados pelas cenas e figuras tristes da assembleia e, já agora, se estão tristes e envergonhados, ou antes orgulhosos, pelo facto de um alto empregado do Benfica, em colaboração com terceiros, e em benefício dessa grande e respeitável instituição, estarem acusados por dezenas de crimes, designadamente, de corrupção!
No mínimo, que digam, como dizem muitos associados ilustres (e não só), se não se sentem incomodados com certos excertos do acórdão, como por exemplo:
«O arguido G…, quando ouvido, negou peremptoriamente que alguma vez tivesse recebido qualquer ordem para obter a informação que obteve ou presentear os co-arguidos a fim de receber informação privilegiada (o arguido refere que as ofertas que fez foram num contexto de amizade).
Sejamos, contudo, práticos.
Era a ....... SAD quem beneficiaria, em última análise, da informação e dos préstimos dos demais co-arguidos. O arguido G… só age porque tal era do interesse da ....... SAD. Se não fosse do interesse da ....... SAD, sua empregadora, porque é que uma pessoa que estava bem na vida, tinha um bom emprego (ganhava 5242,41 € líquidos mensais ... e era respeitado iria por tudo isso em causa sujeitando-se a uma condenação? São questões legítimas e poderiam até sustentar um raciocínio do tipo ‘só faz sentido o arguido G… agir da forma que o fez porque era do interesse da ....... SAD donde, pela normalidade da vida, foi a ....... SAD quem pediu as informações e desde sempre soube do sucedido ou, pelo menos, alheou-se da forma como a informação seria obtida’.
O arguido [Paulo] Gonçalves e os administradores têm gabinetes no mesmo corredor e não se juntam comunicações, não há e-mails, não há escritos, não se faz prova do tipo de relação existente... nada. Tudo parece que o arguido [Paulo] Gonçalves não tem qualquer relação com o presidente da SAD. Naquela casa parecia ser tudo estanque. Ninguém se conhecia, ninguém falava... nada. E obviamente que isto não faz sentido.»
E poderia continuar se tivesse espaço para o efeito. Mas não é necessário. O que acaba de se transcrever, no contexto de um resultado desportivo negativo e dos relatos de uma assembleia geral, justificam suficientemente a minha pergunta. Afinal o que é vergonha?!!!
Caro Silas:
NÃO tive tempo, nem espaço, para, no meu último artigo, te desejar as maiores felicidades ao serviço do meu clube e dizer-te, como não tive possibilidades de dizer ao Leonel Pontes, que és, a partir do teu primeiro dia, em Alvalade e Alcochete, o meu treinador, enquanto servires o meu e o teu clube com a dignidade que ele merece!
Não falo de competência porque sei que és competente e, não é de agora, porque sempre te apreciei, independentemente do nível IV ou do III, ou do que quer que seja, porque, na maior parte dos cursos ou das profissões, os diplomas ou as cartas nada querem dizer. Até já há mercado para as suas compras e vendas. Na minha profissão, como na tua, como na política ou no desporto, as pessoas têm de ser julgadas pelo seu trabalho, pela sua competência, pelo seu carácter e honestidade, pelo seu saber e vocação, e não pelo diploma ou diplomas que possuem. «O hábito não faz o monge» e os ofendidos só são virgens quando lhes convém!...
Na política como no futebol ou noutros locais de trabalho há pessoas que não têm mesmo nível nenhum e ninguém se preocupa. Só se preocupam contigo, se calhar porque tens jeito, como eu acho que tens, e irás fazer sombra a alguém que é mais corporativo. Tens de ter paciência, porque certas corporações, tanto do gosto salazarista, ainda se mantêm vivas.
Pelo que tenho visto e ouvido, acho que te posso dizer, Silas amigo, os Sportinguistas estão contigo!...