O pesadelo de Adán

OPINIÃO06.10.202206:30

Espanhol é experiente mas foi suplente em sete épocas. Não é normal ver um guardião de 35 anos perder totalmente o controlo emocional

NÃO há muitos jogos em que um guarda-redes destrói, sozinho, uma estratégia coletiva. Antonio Adán conseguiu essa proeza, anteontem em Marselha, transformando um jogo controlado pelo Sporting num pesadelo que a determinado momento ameaçou ganhar proporções bíblicas. Assim de repente, da última vez que me recordo de um jogo em que o guardião assumiu tal protagonismo negativo foi Loris Karius, na final da Liga dos Campeões de 2018 entre Liverpool e Real Madrid. Os erros de monta do alemão foram decisivos para a vitória dos merengues e pode dizer-se que a carreira dele terminou ali, uma vez que nunca mais se restabeleceu da vergonha.

Com isto não se pretende comparar o incomparável: nem o Sporting é o Liverpool nem um jogo da fase de grupos é uma final da Champions, ainda por cima estando os leões ainda na liderança isolada do grupo. O que se pretende, isso sim, é refletir sobre um possível porquê e, fundamentalmente, sobre o que se segue.
Primeiro, as possíveis causas: está à vista (e já não é de agora) que Adán não começou bem esta época. Contraiu uma lesão na pré-temporada que o dava como inapto por várias semanas. A recuperação foi, afinal, muito mais rápida do que se pensava, mas o Adán que reapareceu não foi (não é) o mesmo Adán seguro e (esta é a sua maior virtude) regular, oscilando bons jogos e boas defesas com más abordagens do ponto de vista da leitura do jogo. Pode ainda dizer-se que a idade nem sempre é determinante para a maturidade na hora de responder ao erro. Ouvindo o espanhol no final do jogo, percebemos que era um homem sereno e sem entrar em lamentação desmedida, mas o que realmente importa foi o descontrolo emocional de um guarda-redes de 35 anos a partir da primeira grande falha. Estará esta insegurança relacionada com algum tipo de limitação física ou mental? Será que apesar da experiência acumulada do ponto de vista cronológico, os muitos anos no banco de suplentes no Real Madrid (cinco épocas) e Atlético de Madrid (duas épocas) não lhe deram o estofo necessário para provações como esta?

Segundo, o que vem a seguir: Rúben Amorim é um daqueles treinadores que faz da defesa dos seus uma armadura e raramente deixa cair alguém nestas circunstâncias. Por isso dificilmente veremos Adán no banco de suplentes por motivos puramente desportivos. Ademais  o guardião goza de grande moral junto dos adeptos leoninos pelas épocas anteriores (excelente a temporada do título em 2020/2021, apenas boa a época 2021/2022), o que faria do lançamento de Israel algo contraproducente e, até, arriscado. Porque, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, no FC Porto, o jovem da segunda fila não parece ser dono do pacote de opções que Diogo Costa oferece (que se reforça a cada semana, a cada jogo, a cada defesa, a cada lançamento longo com os pés) para garantir um serviço de primeira qualidade.

Mas não estará longe o momento em que Amorim terá de ponderar entre o deve e o haver e meditar até que ponto a gratidão combina com mérito - e mais importante ainda, se combina com os interesses da equipa.
Pode a análise pecar por exagero ou precipitação, mas esta é uma reflexão que muitos treinadores fazem no seu dia a dia relativamente a jogadores com peso no balneário e na respetiva massa associativa. Podemos estar agora a falar de Rúben Amorim e Adán mas poderíamos dizer o mesmo sobre Fernando Santos e Cristiano Ronaldo. Quanto vale a gratidão? O que se ganha em manter quem já não produz o mesmo? O que se perde ao tirar das opções alguém que, apesar da idade avançada e forma reduzida, tem um valor intrínseco superior? O que custa mais: queimar um em lume brando ou queimar dois (o proscrito e o substituto, se este, pela pressão de apresentar resultados imediatos tiver algum tipo de bloqueio?) É por isso que um grande treinador hoje em dia tem de ser, como referiam esta semana os jogadores da Juventus acerca de Massimiliano Allegri, um grande mental coach. A pressão mediática em 2022 não é a mesma de 2012. Basta perguntar a um técnico experiente se há 10 anos era obrigado a conversar com os seus jogadores sobre assédio digital ou memes.