O pecado!
Pode Mattia Perin ser um guarda-redes fantástico ou, no mínimo, como disse o internacional português Miguel Veloso, um guarda-redes que é «um autêntico gato». Mas a verdade é que, bem pior do que ter contratado um guarda-redes que já teve lesões graves nos dois joelhos e acaba de ser operado a uma clavícula, é o Benfica ter, afinal, contratado um guarda-redes que toda a gente sabe que foi contratado para ser titular e só poder contar com ele, na melhor das hipóteses, lá para dezembro, como ficou a saber-se ontem, ao final do dia, depois dos testes médicos feitos, em Lisboa, ao jogador. E porque é que é pior a emenda do que o soneto?
Porque admitindo, como temos de admitir, que o Benfica sabe que está a contratar um guarda-redes que, apesar de toda a novela, vai acabar por estar fisicamente em condições de competir ao mais alto nível quando regressar, em dezembro, repito, à Luz, a verdade é que o Benfica vai exigir ao jovem guarda-redes Odysseas Vlachodimos que seja titular até Perin estar apto e se resigne, depois, a ser suplente quando Perin estiver, por fim, em condições de ser o titular porque foi para isso que foi contratado.
Ou seja: o Benfica contrata para titular um guarda-redes que ainda está longe de poder ser titular e diz a Odysseas que vai, mais tarde ou mais cedo, deixar de ser o titular, mas que por mais alguns meses precisa que seja ainda o titular. Parece esta uma situação bem resolvida? Não, claro que não!
É, pois, a contratação de Perin já um romance de cordel - como chamavam às antigas novelas mexicanas - mesmo antes de se saber se virá ou não a ser uma boa história encarnada, e é, a propósito, bastante difícil de não nos lembrarmos do que sucedeu também no verão de 2018 então com o Sporting, então com o também italiano Sturaro, então, também, com a Juventus, com a única diferença de Sturaro ter sido então emprestado ao Sporting.
Recordo que Sturaro também chegou a Lisboa ainda a recuperar de lesão, regressou a Itália com a promessa que voltaria aos leões quando estivesse recuperado e acabou por nunca fazer sequer um treino entre os verdes e brancos.
No caso, agora, do Benfica, a questão é, porém, mais complexa, porque não se trata apenas de saber o que vai acabar por suceder com Perin; trata-se, também, queira-se ou não, de saber o que vai suceder com Odysseas Vlachodimos. Pior do que não poder contar até dezembro com Perin será, porventura, para o Benfica, não saber que Odysseas Vlachodimos vai passar a ter a partir de agora. Resta ao Benfica esperar que não se confirme a sabedoria popular, segundo a qual o que torto nasce, tarde ou nunca se endireita.
SE considerarmos a primeira época que fez no Benfica como emprestado pelo Atlético de Madrid, Salvio era, atualmente, o mais antigo jogador do Benfica, o jogador com mais jogos (266 e mais de 60 golos), o jogador com mais títulos (14 no total, cinco dos quais como campeão da Primeira Liga) e, seguramente, o jogador com mais classe e experiência internacional.
Correm nos bastidores duas versões sobre a saída do argentino, como quase sempre sucede nestas circunstâncias; a de que foi Salvio a querer ir-se embora do Benfica e a de que foi o Benfica a querer que Salvio se fosse embora. Em bom rigor, será sempre difícil saber qual delas é a verdadeira versão, ou, no mínimo, qual delas está mais próxima da história real. Em qualquer caso, o que a saída de Salvio acentua é o debate sobre a perda de tão importantes referências no plantel, como já foi o caso de Luisão no final do verão de 2018, ou mais recentemente o de Jonas, podendo ainda o Benfica vir a perder Fejsa. É muito experiência junta perdida em tão pouco tempo.
Uma equipa que luta por títulos precisa no balneário de carisma, espírito e, sobretudo, a tal experiência. Viu-se na parte final do último campeonato, quando discutia o título quase palmo a palmo com o FC Porto como foi importante para a equipa saber que podia, a todo o momento, contar com a experiência de Jonas ou de Salvio. Todos nos lembramos de alguns jogos (com o Portimonense, na Luz, por exemplo) em que os mais jovens quase respiraram de alívio quando puderam ter os mais velhos em campo.
A experiência e a classe dos mais velhos não se nota apenas em campo, quando eles puxam dos galões para serenar espíritos, acalmar tensões e sossegar ansiedades. Nota-se também, e provavelmente mais ainda, no trabalho que não se vê, no dia a dia dos treinos e no dia a dia do balneário, naquilo que se passa de exemplos, comportamentos, compromissos e atitudes.
Não sei se foi Salvio que quis ir embora ou se foi o Benfica que, de algum modo, empurrou Salvio para fora da Luz. Creio que Salvio foi sempre um exemplo de profissionalismo e caráter no Benfica, elogiado por tudo e por todos, e admito que Salvio quisesse continuar na Luz se o treinador contasse com ele (como parece que contava, nem que fosse a lateral-direito…; é forçoso, por outro lado, admitir igualmente que Salvio tenha acabado por se sentir feliz com a mudança para o Boca Juniors porque não apenas regressa ao país natal como vai para uma equipa onde se sentirá francamente desejado.
O que falta saber é se o Benfica está a avaliar bem as possíveis consequências de deixar de contar no balneário da Luz com jogadores com o peso de Salvio ou Jonas, já para não falar da perda (que teria sempre de acontecer) de um peso pesado como foi Luisão.
Não pode o Benfica impedir que Luisão ou Jonas decidam terminar a carreira. Evidentemente que é normal chegarem ao fim determinados ciclos de jogadores como Salvio (com oito anos de clube) ou Jardel (também com oito) ou mesmo Fejsa (com seis anos de Luz). O problema é se se fecham ao mesmo tempo muitos dos ciclos de jogadores com o peso de balneário que tiveram ou tinham agora jogadores como Luisão, Jonas, Salvio ou Fejsa, que ainda não deixou a Luz mas é tido como baixa para a nova época.
Nenhuma grande equipa se constrói apenas com talento e nenhum balneário de uma equipa grande sobrevive ao excesso de juventude. É preciso talento, mas também experiência, caráter, compromisso, disciplina e atitude. E isso só se ganha com o tempo.