O ‘novo Benfica’ só tem quatro meses...
Se as botas de Seferovic fossem um pouco mais jeitosas a tratar a bola, teriam transformado em golo uma das duas oportunidades que João Félix lhes ofereceu nos primeiros dez minutos e talvez a história do jogo com o Portimonense fosse contada de outra forma, sem a severidade do costume em relação às exibições da águia, na linha de uma tendência promovida ao longo da época por indisfarçável campanha anti-benfiquista e que, sem pingo de pudor, se acentua à medida que se aproxima a linha de meta, agora à distância de uma vitória e de um empate.
Depois do chinfrim gerado na jornada anterior, a deste fim de semana foi bem menos ruidosa, percebe-se porquê. Na frente, continua tudo na mesma, parecendo inevitável que o próximo campeão apenas será encontrado depois de conhecidos os resultados da derradeira ronda, embora haja elementos concretos que permitam uma análise mais cuidada sobre a bolsa de valores. Destaco quatro
Quem, a duas jornadas do termo do Campeonato, marcou mais 28 golos do que o segundo, mais 26 do que o terceiro e mais 44 do que o quarto, merece ser campeão.
Quem, já no consulado de Lage, ganhou em Alvalade, no Dragão e em Braga, apontando dez golos nos três jogos, merece ser campeão.
Quem, nos confrontos diretos com o outro principal candidato, apresenta duas vitórias contras duas derrotas (seis-zero em pontos), merece ser campeão.
Quem, desde que Lage é o treinador principal, nos sete jogos realizados fora para a Liga regista uma média fantástica de golos marcados superior a três, é porque merece ser campeão.
Cingi-me ao que é factual. No entanto, entre o merecer e o ser sei que há um passo que é preciso dar. Passo esse que, nesta altura, o Benfica, como líder da classificação e se quiser continuar a sê-lo, deve dar com concentração e competência. Sem mais nada.
Até lá, à jornada 34, o novo Benfica, com quatro meses de idade e em crescimento acelerado, sem tempo para acudir às dores dos mais jovens, avança destemido e esperançado, de braço dado com os limites do risco, na prossecução de uma filosofia de jogo já muito notada e não menos apreciada, que privilegia a festa do golo e se diverte com o espetáculo que a beleza do seu futebol proporciona.
Talvez seja uma corajosa recuperação dos épicos anos 60 e da geração de excelência que esteve na génese dos famosos quinze minutos à Benfica, com uma diferença, porém: no tempo dos campeões europeus se uma pessoa se atrasava na chegada ao estádio, provavelmente, perdia um, dois ou três golos encarnados, enquanto, agora, o foguetório dá a ideia de ficar guardado para as segundas partes. No essencial, o efeito é idêntico, mas os adeptos sofrem muito mais…
Há pouco mais de um mês escrevi neste espaço que o Benfica tinha, finalmente, encontrado o seu caminho, quando Luís Filipe Vieira tomou uma das suas decisões mais importantes, ao libertar o clube dos fantasmas do passado e escolher um treinador verdadeiramente sintonizado com o projeto de formação.
O caminho, sim, é por aqui, construído de avanços e recuos, de vitórias e derrotas, de alegrias e desilusões, mas é por aqui: o caminho que Vieira sempre procurou.
Duas notas soltas e merecedoras de realce ainda sobre o Benfica-Portimonense:
António Folha: treinador da nova geração com uma carreira interessante e que promete chegar longe. Começou por baixo e foi adquirindo saber e experiência nos vários escalões de formação do FC Porto. Apesar da sua personalidade discreta, quando chegou à equipa B portista não mais pôde esconder-se em função do trabalho ali realizado e que, sem espanto, o colocou no patamar da primeira Liga. Este Portimonense jogou bem na Luz, com qualidade, ousadia e autoridade. Jogou bem diante do Benfica, como bem tem jogado noutros campos e frente a outros opositores neste campeonato. Marca muitos golos e não revela medo de os sofrer, em obediência a um conceito de futebol que deve ser visto e apreciado.
Exemplar, pela simplicidade e seriedade, a sua declaração final: reconheceu o merecimento da vitória do adversário, com o senão de considerar excessivo o resultado de cinco-um, por refletir mal o brilho do desempenho dos seus jogadores até ao momento em que, como sublinhou, o jogo acabou por culpa de Rafa, que lhe inverteu o sentido.
Artur Soares Dias: o melhor árbitro português e, seguramente, dos melhores do mundo. A nacionalidade não o ajuda, contudo, por motivos sobejamente conhecidos, recentes e antigos, a começar pela ferocidade crítica que lhe foi movida em tempos pelo presidente portista ao não lhe enxergar condições, nem competência para arbitrar.
No Benfica-Portimonense rubricou atuação ao nível do que melhor se observa na Europa e no resto do planeta. Controlo absoluto. Autoridade natural: imposta e aceite. Nem um cartão amarelo mostrado em jogo de enorme vivacidade e renhida competitividade. Se há arbitragens perfeitas, seja o que isso for, esta foi uma delas.