O meu Natal e o natal do leão
Havia um slogan de inspiração cristã que nos lembrava de que o Natal seria sempre que um Homem quisesse. A pandemia trouxe-nos, entretanto, outro conceito mais realista: «O Natal é sempre que um Homem puder».
Talvez por isso aquela figura patusca que é o subdiretor-geral de saúde tenha ido até ao atrevimento de nos propor uma consoada ao pequeno almoço, ou uma troca de compotas caseiras como prendas de um Pai Natal confinado. Mas é verdade que este meu Natal, neste ano de 2020 da (pouca) Graça de Deus, acabou por ser reduzido, no convívio, ao meu núcleo familiar mais próximo.
Tudo tem sido diferente, demasiado penoso para não ter a saudade do velho normal. E, por isso, dei comigo a celebrar a memória dos meus tempos de criança, quando o Pai Natal ainda descia as chaminés e deixava um generoso saco de prendas para o meu despertar ser ainda mais feliz.
O Natal sempre foi a data celebrada em família, a data intocável em que a ninguém era consentida a ausência. Ao contrário de outras. No fim de ano ou na Páscoa, por exemplo, a reunião familiar era raríssima. Habituei-me desde muito jovem às ausências profissionais de meu pai, sempre em andanças ao serviço de A BOLA, num tempo em que os grandes jornalistas não se demoravam em sedentarismos de secretária e procuravam as histórias como elemento essencial das reportagens que os seus leitores mereciam. Mais tarde, formado na magnífica escola de jornalismo que, por esses tempos, floresceu neste jornal, aconteceu-me o mesmo. A passagem de ano era a da noite da S. Silvestre, de S. Paulo, assunto que nos ocupava até altas madrugadas. A diferença, para as outras noites de véspera do jornal estava no prolongamento do jantar, no Bairro Alto, com o chefe e mestre Vítor Santos a rejubilar com mesas a perder de vista, antes das nossas famílias dizerem adeus e até para o ano, regressando a casa muito antes das horas da Cinderela. Voltávamos, então, a subir as velhas escadas do 23 da Queimada e regressávamos ao entusiasmo do jornalismo sentido e vivido com uma paixão renovada.
O mesmo acontecia na Páscoa, que nunca foi data familiarmente festiva, demasiado a preto e branco, com o Ben-Hur mil vezes repetido na representação cinéfila do Charlton Heston. Por essas alturas, era mais natural que andasse em viagem profissional pelas estradas do ciclismo ou pelos pavilhões dos torneios internacionais de andebol.
O Natal era, pois, a data eleita pela família. Daí que tenha sido uma das mais sofridas neste ano em que a pandemia nos trouxe uma noção mais exata do que é e do que não é a qualidade meramente transitória da felicidade.
E para não dizerem que, nesta crónica, não falei de futebol, sempre aproveitarei para recordar que, este, foi o Natal dos sportinguistas. A verdade é que no início da época desportiva, a esmagadora maioria concordava com a ideia de que este seria mais um ano de discussão bicéfala entre o Benfica e o FC Porto. Uma luta a dois pela conquista do título. Mais do mesmo. Ora o Sporting trouxe uma inesperada e deliciosa sensação de frescura. Muitos disseram que seria sol de pouca dura e que, chegados ao Natal, como sempre, a estrela leonina voltaria a ficar pálida e haveria de desaparecer. Ora vejam, o que aí está à vista de todos. O Sporting é líder com todo o direito e com todo o mérito. E de tal forma a equipa tem afirmado a sua qualidade que, neste momento, ninguém duvida que se trata de um sério candidato ao título de campeão nacional.
De derrota em derrota...
O Benfica tem uma publicação oficial a que chama News. E a novidade desta vez é que o clube deve considerar a derrota na Supertaça, com o FC Porto, como um estímulo para outros desafios e outras conquistas. Uma proposta estranha que se poderia resumir na ideia de ir de derrota em derrota até uma vitória final. A confiança no futuro é justificada pela «reconhecida qualidade do plantel», o que apenas deve acontecer entre os muros do Seixal, mas a mensagem para os benfiquistas é a da simbólica esperança... de que eles a oiçam.
A chacina da Torre Bela
A mortandade da Torre Bela, com a chacina de mais de quinhentos animais encurralados é, obviamente, um crime e todos os responsáveis devem ser devidamente penalizados. Mas também é uma visão particularmente desonrosa de Portugal, país visto como do terceiro mundo e, só por isso, passível deste tipo de recreios de selvagens. Mais uma vez reagimos ao que terá sido uma prática que se manteria em segredo, não fosse a divulgação dos media nacionais. Ao jornalismo a sério se deve, pois, e mais uma vez, o direito à indignação.