O Inverno escaldante do nosso futebol
Está dado o tom para um resto de temporada que promete não fazer prisioneiros. O discurso está irremediavelmente radicalizado, e cada jogo será, fora das quatro linhas, uma batalha sem quartel. Veio-me à memória, quando procurava elencar mentalmente os danos previsíveis para o futebol português que decorrem deste estado da arte, uma resposta dada por Albert Einstein, quando lhe perguntaram como seria a III Guerra Mundial. O génio alemão respondeu assim: «Não sei como será a III Guerra Mundial. Mas tenho a certeza de que a IV Guerra Mundial será combatida com paus e pedras.» Pois é. Se continuarmos a passar ao lado da modernidade comportamental, mantendo fórmulas paleolíticas, dificilmente teremos condições de nos aproximarmos daqueles que são exemplo de excelência. Mas está enraizada na (anti)cultura do futebol nacional que, como diz o povo, «quem não chora, não mama», e é nessa conformidade que não há memória de um presidente de clube que não tenha dado um salto à sala de imprensa ou à zona mista com o único propósito de zurzir o árbitro, e mais recentemente o VAR.
E, quanto a árbitros, a ideia de recorrer ao estrangeiro para atalhar suspeições não é nova e no consulado de Vítor Pereira chegou a ser ponderada, numa lógica de reciprocidade. Lembro-me de ter debatido esta possibilidade, durante o Europeu de 2012, com um dos mais conceituados árbitros espanhóis, que me desarmou com uma resposta brilhante: «Maus por maus, o Angel Villar [presidente da RFEF] vai sempre preferir os nossos maus...»
Sejamos francos, o panorama, no que respeita à qualidade dos nossos árbitros, está longe de ser satisfatório. Mas é impossível qualquer bom desempenho, no estado de sítio em que permanentemente vive o setor. E se tenho a consciência de que, inúmeras vezes, os clubes atacam a arbitragem apenas para sacudirem a água do capote, não posso deixar de dizer que enquanto o setor não enveredar por um regime de paredes de vidro, fará sempre mais parte do problema do que da solução; e enquanto não encontrar novas fórmulas de recrutamento, continuará a produzir juízes de campo de saber demasiado limitado. Por último, que fique claro que, ao contrário de outras eras, a honestidade não está em causa. É a competência.