O futebol, os EUA e a Coreia do Norte
Domingos Soares de Oliveira será, seguramente, um dos mais prestigiados dirigentes do futebol português. Há quem diga que foi uma das maiores aquisições feitas por Luís Filipe Vieira ao Sporting, brincando com a propalada condição de sportinguista do ministro das finanças da Luz. É um homem sereno, competente, que tem, do futebol, uma visão que une o necessário rigor empresarial com a natural condição de risco dos investimentos num setor de especificidades muito próprias.
Foi dele a mais recente afirmação que anuncia a inoportunidade de qualquer cimeira entre o Benfica e o FC Porto. Soares Oliveira diz que, neste momento, o Benfica ainda não está preparado, sequer, para se sentar à mesma mesa com o clube presidido por Pinto da Costa.
Quem tomou conhecimento dessa frase, aliás ampla e diversamente propagada, não lhe notou razão para surpresa. E, porém, vale a pena pensar um pouco sobre ela e, sobretudo, sobre o que ela significa sobre o estado a que o futebol português e, em especial, os seus principais clubes deixaram chegar a sua guerra dos tronos.
Sentar à mesa das negociações para um entendimento sobre matérias que podem ser fundamentais para o desenvolvimento do futebol e das suas organizações parece, a qualquer humanídeo, o mais básico dos deveres e a mais elementar das responsabilidades. E, no entanto, um dirigente reconhecidamente evoluído, rigoroso e capaz assume que tal não é possível. Nenhuma campainha de alarme poderia soar mais alto e mais estridente e, mesmo assim, muita dessa gentinha que, do futebol, apenas discute imbecilidades e se comporta como fantoches de feira, nem ouve.
Donald Trump, que é visto, pelo menos à luz dos padrões europeus, como um dos mais básicos e por isso dos mais perigosos presidentes de toda a História dos Estados Unidos sentou-se à mesa com o nada estimável presidente da Coreia do Norte, Kim Jong Un, em nome do interesse das partes e do mundo. Porque alguém, a quem ainda sobrará algum bom senso na Casa Branca, conseguiu convencer Trump que há assuntos que, mesmo que custe ao presidente reconhecer, ultrapassam a teimosia, o egoísmo e a megalomania.
Benfica e FC Porto, ao que parece, estarão mais distantes do que estavam os Estados Unidos e a Coreia do Norte, antes das últimas cimeiras. E isso é trágico, não apenas para o futebol português, como para os dois clubes.
Soares Oliveira admite que, apesar de tudo, têm existido condições para haver encontros técnicos de executivos mandatados dos dois clubes. Seria um mínimo aceitável se não se desse o caso do futebol português estar a precisar, com urgência, de decisões de Estado, decisões exigidas pela necessidade de algumas mudanças estruturais profundas e que não podem ser tomadas por grupos que foram criados de forma artificial e aos quais sobeja vontade, na exata medida em que falta força e autoridade.
Não sei se será preciso lembrar a Benfica, FC Porto e, já agora, Sporting, que vem aí uma Liga europeia multimilionária que pode ser arrasadora para o necessário equilíbrio das maiores forças do futebol português. Não sei se será necessário recordar que a grandeza dos maiores clubes portugueses mingua, à medida que a grandeza dos maiores clubes europeus cresce. Não sei se vale, sequer, a pena assinalar que todos estes clubes vivem da sua qualidade de formação de jogadores e da inevitável exportação desses jovens.
É urgente começar a andar no sentido certo. Nem que seja só um passo. E depois outro...