O futebol não tem pressa
Não, o futebol não tem pressa de voltar. Nem podia ter. Primeiro porque o futebol, sendo um desporto que vive de sentimentos, não tem, ele próprio, sentimentos - e se tivesse aposto que tristeza seria a única coisa que sentiria se percebesse que terá, provavelmente, de voltar sem ter nas bancadas aqueles que mais o sentem: os adeptos. Segundo porque, sendo um desporto que, lá está, vive e sobrevive à custa de sentimentos, perceberia (se pudesse perceber alguma coisa...) que há, neste momento, coisas mais importantes do que festejar um golo. Coisas como, por exemplo, celebrar as vidas (uma que fosse...) que conseguimos, com medidas duras mas essenciais, roubar às garras de um vírus que nos obrigou a todos - e não há, por muito que nos custe, direito a exceções - a redefinir prioridades.
Não, o futebol não tem pressa de voltar. Nem sequer aqueles que mais o sentem, os adeptos (só para que ninguém se esqueça...), têm pressa de o ver de volta. Têm saudades dele, claro. Se lhes dessem a escolher, a bola rolaria já amanhã. Mas sabem que não é possível. Sabem que há, hoje, coisas mais importantes. E sabem que, depois de ficar tudo bem (e vai ficar tudo bem!) o futebol estará à espera deles para um reencontro feliz, daqueles que se selam com um abraço apertado. E de preferência não um daqueles reencontros frios, separados por um vidro que, por mais LED ou HD que seja, rouba aquilo que foi, sempre, o que o futebol teve de mais mágico e, em última análise o que fez dele aquilo que ele é hoje: as emoções. E não o dinheiro.
Percebe-se, claro que se percebe, a pressa de quem dele financeiramente depende para que o futebol volte o mais depressa possível. Eu próprio - que há mais de 20 anos escrevo sobre futebol e dependo do ordenado de um jornal que, por seu lado, depende muito do futebol para me pagar o ordenado - gostava que as competições fossem decididas no campo em vez de na secretaria e que voltassem já amanhã. E se tiver de ser à porta fechada, enfim, que seja. Mas sei que não vai acontecer. Sei (ou aprendi, se calhar) que o futebol não é o mais importante.
Dito isto, devo dizer outra coisa: não me chocou, ao contrário de outros, ver Aleksander Ceferin traçar, há uns dias, uma data limite para que federações e ligas entregassem a lista de participantes nas competições europeias da próxima época. Até me pareceu uma boa medida, tendo em conta que ninguém sabia bem o que fazer. Por cá, por exemplo, Pedro Proença tinha garantido na véspera do anúncio do presidente da UEFA que o campeonato tinha de acabar até 30 de junho. Em Espanha (outro exemplo) dizia-se que, caso não se pudesse dar por concluída La Liga até 27 de junho, o melhor seria que não se concluísse de todo. O que Ceferin fez, ou pelo menos foi assim que o vi, foi dizer a toda a gente tenham calma, não se apressem, temos quatro meses para resolver isto e se só pudermos voltar no final de junho... que seja e a partir daí deixar nas mãos de cada federação, ou liga, traçar, com tempo, um plano para concluir as suas competições.
Chocante foi, depois, ver o presidente da UEFA ameaçar punir federações ou ligas que admitiram a possibilidade de acabar já os seus campeonatos, encontrando, a nível interno, soluções que lhes permitiam definir campeão, participantes nas provas da UEFA em 2020/2021 e descidas ou subidas. Sim, talvez Ceferin saiba que é impossível que todos os países adotem a mesma medida - basta pensar no que seria se, por cá, Liga ou Federação fizessem tal proposta - e prefira que todos os campeonatos europeus terminem da mesma forma. Mas tem de perceber, também, que ameaçar quem está, apenas, a colocar a vida dos seus cidadãos acima de qualquer outra coisa - mesmo que essa outra coisa seja o futebol - não lhe fica nada bem. E, em última análise, só faz mal ao próprio futebol.