O futebol e a guerra

OPINIÃO26.02.202206:00

Desde há muitos anos que o futebol tem sabido ser sujeito ativo da história. E, muitas vezes, com assinalável dignidade e coragem

"O FUTEBOL É UM VERDADEIRO DIÁLOGO ENTRE CULTURAS"

Calixte Beala

Escritora francesa de origem camaronesa, vencedora do grande prémio do romance da Academia francesa, em 1994
 

Ofutebol tem sido, não raras vezes, utilizado como um importante instrumento da diplomacia política. Não é coisa que a classe política goste de assumir, mas factos são factos e a História de muitos conflitos e dificuldades de entendimento entre povos e até regimes, em momentos de forte tensão, tem encontrado melhores caminhos com o apoio e a ação direta do futebol. Além disso, o futebol e o sentimento de nacionalismo e de pertença que gera nem sempre apresenta aquela visão só virtualmente beatífica de viver num mundo afastado da realidade social e política.
Desde há muitos anos que o Desporto e o futebol, em particular, têm sabido ser sujeitos da História. Muitas vezes, com assinalável dignidade e coragem.
Na primeira guerra mundial, numa altura em que ainda não havia recrutamento obrigatório, William Joynson-Hicks criou com um inesperado sucesso um batalhão de futebol. Aliciados pela prática do grande jogo, centenas de jovens decidiram alistar-se para jogarem e lutarem pela Inglaterra. Também durante o primeiro ano da guerra, no Natal de 1914, o futebol criou uma inesperada trégua nas trincheiras britânicas e alemãs. Na região belga de Wulvergem, a guerra parou para que os soldados britânicos e alemães jogassem entre eles um animado jogo de futebol, que levou a um ataque de nervos dos comandantes e à séria ameaça de que os futebolistas que se atrevessem a repetir aquele incidente em plena frente de batalha ficariam sujeitos a severas penas.
Mais simbólico nesta pequena recolha de histórias de intervenção do futebol no cenário de guerra, foi o que aconteceu no chamado jogo da morte, precisamente porque envolve o povo ucraniano.
Josef Kordik era um padeiro de Kiev e tinha verdadeira paixão pelo Dínamo. Ficara, por isso, desolado quando chegou a invasão do exército da Alemanha nazi e as novas autoridades proibiram a continuação do campeonato de futebol. Muitos jogadores do Dínamo foram recrutados e enviados para frente de batalha, alguns morreram, outros foram feitos prisioneiros, quase todos se dispersaram e perderam o contacto um dos outros. Entretanto, o padeiro Kordik continuou a sua vida e um dia encontrou por acaso, na cidade de Kiev, Mykola Trusevych, o antigo guarda-redes da sua equipa. Ambos combinaram procurar os antigos jogadores do Dínamo, encontraram oito, a estes juntaram mais três antigos jogadores do Spartak e, como Kordik tinha ascendência alemã, foi-lhe permitido formar um clube e participar num campeonato. Formou-se assim o Start FC.
Com o acumular das vitórias e do sucesso, o Start transformou-se numa bandeira do nacionalismo ucraniano. Uma onda de euforia e de sentimento patriótico nascia sempre que a equipa jogava. Os nazis decidiram acabar, de vez, com o problema. Formaram uma forte equipa com base na Luftwaffe, a Flakelf, e desafiaram os ucranianos para o jogo final.
Cedo se percebeu que a equipa alemã seria incapaz de travar a superioridade ucraniana. As bancadas ganharam fogo de tanto entusiasmo e, ao intervalo, chegou uma inevitável ameaça: «Ou vocês perdem o jogo, ou sofrem as consequências.» O Start, de Kiev, preferiu ganhar o jogo. Quase todos os seus jogadores viriam, depois, a serem presos pela Gestapo, mas todos eles entraram, por direito, na História dos heróis da Ucrânia.
 

Yaremchuk recordou guerra na Ucrânia 


VIDA E MORTE DE SILVA RESENDE

Morreu Antero Silva Resende. A caminho dos 100 anos, não ganhou destaque nem a notícia da sua morte, nem a notícia da sua vida. Resende foi diretor do jornal A BOLA, no período de intervalo entre a direção do dr. Vicente de Melo e a de Carlos Miranda. Era um jornalista clássico e, mais tarde, um advogado de méritos reconhecidos. Sportinguista ferveroso e adepto do futebol. A sua missão como presidente da FPF ficou marcada pelo célebre caso Saltillo. Mais importante: era um homem inteligente e culto. No seu tempo, uma virtude...
 

O JORNALISMO DA TRAGÉDIA

A jornalista estava visivelmente desconfortável. A sua missão era a de apresentar as imagens de um homem, em cima de uma bicicleta, a desaparecer num clarão provocado por uma bomba na guerra que Putin impôs à Ucrânia. Temos a noção da violência da imagem - dizia ela - mas é importante mostrar o lado duro da guerra. Não era bem a verdade nua e crua do jornalismo que justificava aquelas imagens, mas a necessidade nua e crua da audiência que a tragédia pode gerar. Espera-se que, apesar de jovem, a jornalista saiba isso.