O dia em que Miguel Oliveira foi tirar a carta de moto
Pode aferir-se a competência pelos resultados? Nunca! Perguntem aos funcionários que gostam de tudo carimbado… Só se reconhece competência por diploma
N ÃO sei se é verdade, mas contaram-me que Miguel Oliveira, o mais destacado piloto de motos em Portugal, tinha sido obrigado a tirar a carta de veículos motorizados de duas rodas. A associação que representa os pilotos (sobretudo, os que ficaram atrás dele no último mundial) exigiram que ele assim o fizesse, pois de outro modo estava a defraudar os seus colegas.
Miguel Oliveira parece que é um homem educado e cumpridor. E, agora que tem 25 anos, apresentou-se numa escola de condução para cumprir aquele requisito. Saltou para cima da motorizada, acelerou e perguntou ao instrutor: «Isto não dá mais?.» O instrutor perguntou: «Mais o quê?.» Miguel Oliveira esclareceu que se referia à velocidade…
Os dois homens encetaram, então, uma conversa interessante. Perguntou o instrutor por que razão queria o piloto andar mais depressa, ao que ele respondeu que o campeonato do mundo de MotoGP tem já uma prova no Qatar. É no próximo dia 21, onde se pode atingir uma velocidade de 350 km/h, rodando-se à média de 160 km/h. O instrutor achou incrível, e perguntou a Oliveira: «Que tenho eu para lhe ensinar, nesse caso?» O piloto encolheu os ombros e disse que não tinha a certeza, mas que fora informado que necessitava de ter carta para poder cumprir aquela e outras provas. Que no ano passado ficara em 9.º lugar no Campeonato do Mundo e que, por acaso, ninguém lhe dissera nada, mas que este ano já lho haviam dito…
O instrutor, com toda a paciência e boa vontade, lembrou-se: só se forem as regras de trânsito… Mas o piloto disse: eu não ando de moto no trânsito, só nas pistas. Depois do Qatar tenho Doah e, a seguir, o Grande Prémio de Portugal, em Portimão…
O instrutor achou ridículo tudo aquilo, mas ainda insistiu: claro que sabe onde é o acelerador, a embraiagem, o travão… que é necessário capacete… que as mudanças… Sim, atalhou o piloto, sei isso tudo, como calcula; comecei a competir em escalões mais baixos, com apenas 10 anos.
Foi então que o instrutor desistiu. Disse ao piloto que, provavelmente, saberia mais de motos do que ele, e que estar a ensinar a missa ao vigário era um pouco estranho. Seria, acrescentou, como impedir Patrícia Mamona de competir por não ter um curso de triplo-salto. Pois… disse Miguel Oliveira.
E assim terminou a história do dia em que o piloto de MotoGP tentou tirar a carta de veículos motorizados de duas rodas.
Curso de Ronaldo
C LARO que no futebol uma história destas seria impossível. Imaginem alguém pedir para fazer o curso de - digamos - Ronaldo ou Messi. Ou outro menos exigente, mas ainda assim difícil, como o de Bruno Fernandes ou de Bernardo Silva. Seria risível. O Bruno Fernandes teve um 18 a remate, mas um 10 a refilanço; já o Ronaldo teve um 19 a remate (antes dos jogos com o Porto) e só 14 a mau-feitio; Messi, igualando os 19 de Ronaldo a remate, em mau-feitio ficou pior, e em sociabilidade apanhou uma feroz negativa, coisa que nenhum dos outros jogadores teve. Resultado: Messi teria de repetir o ano, para ver se socializava melhor com colegas e adversários… Nesta bitola Paulinho Santos nunca teria jogado como profissional.
Mas com o rumo que o mundo leva é admissível que um dia peçam a conclusão de um curso de jogador profissional a… um jogador profissional.
É curioso como esta febre do reconhecimento através de diploma se alastra. Será bom recordar que Fernando Pessoa - ou mesmo Luís de Camões - não tinham curso de poeta. Mais: grandes compositores não sabiam ler música nem frequentaram nenhuma escola de solfejo. Os mais ousados, como José Afonso, além de música faziam poemas sem terem qualquer grau académico nessas áreas (basta ver que Zeca era do curso de Histórico-Filosóficas, que para pouco serve em matéria de canções).
Curiosamente, no caso do chamado pai da filosofia, Sócrates, como no da História, Heródoto, não consta que tivessem sequer - um ou outro - os cursos de que foram pais. Uma fraude completa, como se pode ver.
Mas agora, desde de nas Universidades não se dar oportunidade a quem sabe, até às Ordens que dificultam a entrada de novos licenciados, muitas vezes sem outro motivo que não seja o de não quererem concorrência para os instalados, o que mais se encontra por aí é instituições a pedir diplomas, certificados, cursos, equivalências, o que seja, a pessoas com mais talento do que quem pede.
Mas deixemo-nos disto e falemos de futebol.
Grandes quereres
Oúltimo jogo do Sporting foi impróprio. Por vários motivos: foi o pior dos jogos deste campeonato e, simultaneamente, dos que mais fez sofrer os sportinguistas, aliás habituados a sofrer, com ou sem curso adequado para o efeito.
Depois do empate com o Porto - feito que se torna mais importante depois do que se viu em Turim (a Juventus eliminada pelo mesmo Porto) -, a equipa de Alvalade, a jogar em casa contra o Santa Clara, conseguiu um bonito, mas inesperado golo (e talvez isso lhe tenha acrescentado beleza). Tinham passado 22 minutos de futebol sofrível, com o Santa Clara a ameaçar mais do que seria suposto.
Passaram 62 minutos (sem contar com o intervalo) de enorme aridez, até que aos 84 minutos o Santa Clara empatou, com um golo, aliás de bom recorte. Que pensaria qualquer espectador (sobretudo se não tiver completado o curso de espectador)? Que o Sporting, depois do esforço no Dragão, podia deitar muito a perder. Porém, um novo querer vindo sabe-se lá de onde, uma substituição sem medo (Feddal saiu, entrou Jovane) e uma certa dose de sorte, já que sem ela nada se consegue, levaram o nosso capitão, a quem já dediquei tantas linhas, a salvar-nos aos 92 minutos, já no período de descontos.
Falo em salvação porque sempre achei que os três ou quatro jogos depois do Dragão seriam decisivos, e um dos mais fáceis seria o Santa Clara. No sábado temos de ir a Tondela, onde nunca nada é simples, e uma semana depois receber o Guimarães (que apesar da derrota pesada em Braga mantém aspirações europeias). Se passarmos estes jogos, o que não é impossível, sobretudo se mantivermos a atitude e a garra que mostrámos depois do Santa Clara ter empatado, e o fizermos durante muito mais tempo no jogo, embalamos para chegar a Braga (29.ª jornada) com uma vantagem assinalável. O Braga, entretanto, receberá o Benfica e também terá jogos complicados. Mas se o Porto, depois de passar a Juventus, assusta qualquer equipa portuguesa (salvo o Sporting, que com eles já jogou tudo o que tinha a jogar), não é menos verdade que a carreira do Braga é de se lhe tirar o chapéu (e até o Benfica, embora timidamente, parece renascer de algo que lhe deu).
É por isso que o nosso foco tem de estar nos jogos e na alma com que para eles se parte. Vamos ter um bom campeonato e o Sporting tem condições para o vencer.
Por muito que, fora dos campos, nas secretarias e em esconsos locais se tente derrubar-nos.
Miguel Oliveira, uma das figuras do Mundial de MotoGP, foi agora tirar a carta de... motos
Porto
É justo dizê-lo: o Porto foi merecedor de passar aos quartos de final. Teve querer e raça, jogou à campeão, e durante mais de uma hora com menos um jogador (Taremi foi infantil quando levou o segundo cartão amarelo). O Porto, que deixou a imprensa desportiva italiana a chamar traidor a Ronaldo (com exibições mais do que apagadas no Dragão e em Turim), prestigia o futebol português, de que continua como único representante na Europa, e o seu campeonato.
Atletismo
Não se pode ganhar três medalhas de ouro nos Europeus de pista coberta e não homenagear quem as ganhou em nome de Portugal: Pedro Pablo Pichardo, Auriol Dongmo e Patrícia Mamona. Claro que nesta coluna específica ficava mal não referir que as duas senhoras são do Sporting.