O dia em que Lage cedeu à pressão
BRUNO LAGE mostrou na quinta-feira à noite, depois da confrangedora eliminação às mãos de um totalmente (talvez até de forma surpreendente) acessível Eintracht Frankfurt, não ser imune à pressão inerente a ser-se treinador do Benfica. É, convenhamos, normal, porque anormal seria não sentir qualquer pressão nesta altura da temporada em que tudo, de facto, se decide. Nem o mais experiente dos treinadores conseguiria disfarçar o peso da importância do momento, quanto mais um técnico de 42 anos, que cumpre os seus primeiros meses ao mais alto nível, ainda para mais num clube com a dimensão do Benfica. Não vem, portanto, mal ao mundo pela forma como o técnico encarnado se incomodou com algumas perguntas que lhe foram colocadas no final de uma partida que não lhe tinha corrido nada bem, até porque, estando nós, jornalistas, acostumados a ser o alvo predileto das frustrações e desilusões de dirigentes, treinadores, jogadores e adeptos, aquele infeliz momento - em especial as infelizes palavras sobre as «perguntas mais sérias» - terá servido, apenas, para colocar algum freio aos elogios que todos íamos fazendo à maneira de Lage comunicar. Veremos se foi apenas isso, um momento infeliz. Veremos se Bruno Lage é, de facto, diferente ou se é como quase todos os outros. Porque é fácil ser diferente quando se está a ganhar. Mais difícil é sê-lo quando se perde e se adivinham os holofotes das críticas virados na nossa direção.
O mais estranho, sinceramente, naquela conferência de imprensa de Frankfurt, foi o facto de o treinador do Benfica se ter sentido particularmente incomodado com uma pergunta (bem, eram duas numa...) sobre futebol, daquelas que sempre mostrou à-vontade em responder: porque jogou João Félix na esquerda e como explicava a má primeira parte do Benfica frente ao Eintracht? Ainda por cima, ambas estavam bem sustentadas: João Félix jogou de facto - e por muitas voltas que se tentem dar, com deambulações para o centro, para a frente ou para trás - na esquerda e o primeiro tempo das águias foi mesmo muito fraco, como até o próprio Lage reconheceria. Não se percebe, também por isso, a celeuma que lhe causaram. Bruno Lage é o treinador do Benfica e tem, por isso, o direito de colocar em campo os jogadores que entender, a jogar onde muito bem quiser. Isso é sagrado. Como sagrado é o direito dos jornalistas o questionarem sobre as opções que toma. Explica-as se quiser, claro. Mas não precisa de ser deselegante, ainda por cima face a perguntas válidas. Sérias, se quisermos. Esperemos que tenha sido apenas um mau momento, a que também Lage tem, como todos temos, direito.
A eliminação do Benfica deixou, é inegável, os benfiquistas com um enorme amargo de boca. Mesmo admitindo-se que seria complicado às águias vencerem a Liga Europa, muito por culpa da presença de dois tubarões ingleses, uma coisa é ser eliminado pelo Chelsea nas meias-finais e outra, bem mais difícil de engolir, é saltar fora numa eliminatória com um Eintracht que mostrou estar claramente ao alcance, ainda por cima depois de ter passado quase todo o primeiro jogo, na Luz, reduzido a dez homens. Talvez a consciência desse pormenor tenha, também, assumido algum peso na reação do treinador no final da partida na Alemanha.
Não me parece, ainda assim, que tenha Bruno Lage motivos para soçobrar a uma pressão que será, no seu caso, mais imaginária do que real. Claro que a um treinador do Benfica se exige sempre que ganhe, mesmo que isso seja quase impossível. E claro que a eliminação na Liga Europa lhe colocou maior pressão no que à conquista do campeonato diz respeito. Se levar as águias ao título tudo será esquecido. Se não ganhar, todos farão questão de lembrá-lo da forma como, em nome de um objetivo maior, entregou de bandeja a Taça de Portugal em Alvalade e a Liga Europa em Frankfurt. Faz parte. E o treinador do Benfica, ou de qualquer outro clube grande, tem de estar para isso preparado.
Mas deve estar Bruno Lage também ciente de que os adeptos do Benfica não têm memória curta. Quando chegar a hora de fazer contas à temporada que agora se aproxima do fim, aconteça o que acontecer, não esquecerão, por certo, que em janeiro, quando Vieira nele decidiu apostar, já davam a época por perdida. O nível de confiança estava, na altura, tão em baixo que quase nenhum deles se atreveria a dizer que podia o Benfica ganhar a Taça de Portugal ou a Liga Europa, muito menos o campeonato, já que viam o FC Porto sete pontos à frente e a maioria já tinha, até, encomendado as faixas de campeão para os lados do Dragão. Todos se lembrarão, de certeza, que foi Bruno Lage quem lhes devolveu a esperança e a alegria de poder estar na época até ao final. Será sempre melhor para o treinador ser campeão, é um facto, mas de certeza que os adeptos lhe darão, só pelo facto de ter devolvido o Benfica à vida numa temporada em que todos o davam já como morto, o benefício da dúvida. E exigirão a Luís Filipe Vieira - que não me parece, sinceramente, precisar desse sinal de aprovação - que mantenha Bruno Lage no comando da equipa na próxima época, mesmo que perdesse o que ainda tem para ganhar nesta.
E talvez Lage possa, então, mostrar de forma mais plena saber que os adeptos não admitem estratégias de contenção perante adversários do mesmo nível (ou até inferior...), cobrando de forma mais intensa quando, ainda por cima, a equipa acaba por perder.
Porque quem treina o Benfica está, sempre, obrigado a jogar para ganhar. Pode não conseguir ganhar sempre, é verdade, mas mostrar esse desejo de vitória chega, na maior parte das vezes, para conquistar quem gasta muito dinheiro, e faz milhares de quilómetros, para acompanhar a equipa, seja em Lisboa ou na Alemanha. E que fica, com razão, frustrado quando sente que a equipa não deixa, sequer, a ideia de tentar vencer. É essa, e só essa, a sua obrigação, por uma questão de respeito pelos adeptos.
SÉRGIO CONCEIÇÃO levantou, e bem, a questão sobre como em Portugal se parece desvalorizar a importância de ter equipas nas competições europeias. Abel Ferreira, treinador do SC Braga, já o tinha feito bastante antes, alertando para a necessidade de proteger, no calendário interno, os clubes que estão envolvidos nas provas da UEFA, dando-lhes melhores condições para chegarem o mais longe possível, que devia ser, por todas as razões e mais algumas, uma preocupação de todos os que têm responsabilidades no futebol português.
Apontou o treinador do FC Porto, outra vez bem, o exemplo da Holanda, onde a liga adiou uma jornada para permitir ao Ajax melhor preparação para o confronto das meias-finais da Liga dos Campeões, com o Tottenham. É, de facto, um excelente exemplo, até porque não há notícia de o PSV, que a três jornadas do fim do campeonato luta com o conjunto de Amesterdão pelo título local - têm ambos, imagine-se, 77 pontos -, ter vindo a público dizer que está essa decisão a prejudicá-lo. A questão é que na Holanda os interesses do futebol são vistos de forma global e decisões como esta são aceites e compreendidas por todos. Hoje ajuda uns, amanhã outros. Ao contrário de cá, onde cada um olha, apenas e só, para o seu umbigo. Já imaginaram o que se diria se o mesmo acontecesse, hoje, em Portugal? FC Porto e Benfica igualados na classificação, a quatro jornadas do fim, e a Liga decidir adiar uma jornada porque um deles teria um jogo na Champions ou na Liga Europa e precisava de prepará-lo da melhor maneira? O que não seria...
Tem, reforçamos, razão Sérgio Conceição. Como já tinha antes Abel Ferreira. E como tem João Henriques, treinador do Santa Clara, em colocar-se ao lado do treinador do FC Porto nesta questão. Não haverá, de resto, qualquer treinador que não pense da mesma forma. O que é bom. Basta, afinal, que se juntem todos, falem com os respetivos presidentes e os convençam de que está na hora de olhar para os interesses do futebol português de forma séria. Se o conseguirem, como são os clubes que têm, de facto, o poder na Liga, é fácil de resolver. Não é, convenhamos, nenhum bicho de sete cabeças.
ZAINADINE, Edgar Costa e Joel Tagueu viram, frente ao Feirense, cartões amarelos e estão fora do jogo de hoje com o Benfica. Petit, treinador do Marítimo, honesto como sempre o conhecemos, assumiu que sim, que os jogadores tinham forçado, por indicação sua, a admoestação, por entender ele, como treinador, que seria melhor cumprirem castigo no Estádio da Luz e ficarem, dessa forma, disponíveis para os restantes quatro jogos, mais importantes, no entender de Petit, para a luta que o clube madeirense trava para se manter na Liga. Tem sido, claro, um fartote. Sérgio Conceição disse tudo quando disse que muito podia dizer mas que nada diria. Percebe-se. Bruno Lage limitou-se a dizer que nenhum desses jogadores defrontou, há umas semanas, o FC Porto, no Dragão. E é verdade. Zainadine estava lesionado, Edgar Costa e Joel Tagueu (que na jornada anterior até marcara dois golos ao Moreirense) não saíram do banco, poupados por Petit para outras batalhas. A ver se nos entendemos: claro que custa ao FC Porto saber que um treinador mandou três dos seus melhores jogadores verem amarelo para cumprirem castigo contra o Benfica. Se fosse ao contrário e Petit tivesse propositadamente tirado Zainadine, Edgar Costa e Joel Tagueu de um jogo com o FC Porto, ainda por cima assumindo-o, seria, não tenhamos disso qualquer dúvida, o Benfica a queixar-se.
A questão não é essa. Não é, sequer, se os jogadores, e o clube, devem ser agora castigados, como fez a UEFA, em casos recentes e semelhantes, com Sergio Ramos (Real Madrid) e Corona (FC Porto). A questão é, se quisermos ser honestos, outra: quantas vezes já vimos jogadores de Benfica e FC Porto verem cartões amarelos para limparem o cadastro, cumprindo castigo em jogos contra adversários teoricamente mais fracos e ficando, assim, disponíveis para partidas mais complicadas? Alguém viu, na altura, treinadores, dirigentes ou adeptos de um clube que luta com esse emblema que iria defrontar águias ou dragões, suponhamos pela descida, levantar a voz por poder essa decisão do treinador (mesmo que não o assumam no final, como fez Petit, a decisão é, sempre, do treinador) da equipa grande influenciar a verdade desportiva?
Sejamos sérios. A luta entre FC Porto e Benfica pelo título só é, de facto, mais importante para os seus dirigentes, treinadores, jogadores e adeptos. Para os do Marítimo a luta é outra. Sim, é só a manutenção. Mas não tem, por isso, de ser menos importante para quem nela está envolvido. Nem é, sequer, menos válida.