O bicho

OPINIÃO24.06.202107:00

Portugal defrontou os dois últimos campeões do mundo e vai defrontar o n.º 1 do ‘ranking’ FIFA. Competindo mais que jogando. É o seu estilo

PORTUGAL não falhou. Terminou o Grupo F em terceiro lugar (pode parecer pouco para o campeão europeu em exercício), mas com os mesmos pontos do campeão do Mundo em 2014 e com menos um que o atual detentor do título mundial. Passar aos oitavos de final do Euro-2020 após defrontar duas das cinco melhores seleções do planeta (mais a Hungria, equipa que apenas perdeu com os lusos) terá sempre de ser considerado positivo.
Apesar de ontem não ter feito um grande jogo, a Seleção Nacional fez frente a França uma partida competente. Competência é, de resto, o termo que mais me ocorre sempre que olho para esta equipa de Fernando Santos. Portugal é um bicho competitivo e tem construído os seus sucessos abraçado a esta filosofia, goste-se ou não do estilo. Daí a surpresa pelo que aconteceu frente à Alemanha: uma desorganização defensiva nunca vista na era santista. Porque se há algo que marca a passagem de Fernando Santos no banco de Portugal é a forma como ele e a sua equipa técnica (aqui destacamos o papel de Ilídio Vale) consegue ler e tantas vezes anular o adversário - sim, a Seleção joga muitas vezes em função do adversário. Ora, quando falha a capacidade de defender de Portugal, cai por terra o escudo de Fernando Santos. Que é como quem diz: o técnico só se vai manter no topo das preferências da opinião pública se... ganhar.
É o resultado de uma gestão e modelo de jogo. Portugal não encanta mas vence na maior parte das vezes. E venceu em 2016. O que muitos terão esperado é que, com o tempo e melhor qualidade individual, Fernando Santos mudasse o estilo, preferindo a liberdade criativa e promovendo maior risco. O que temos vindo a assistir é, no entanto, muito aquilo que vem na linha do torneio em França: primeiro a segurança, depois a segurança e só depois algum risco - assim se explica a aposta excessiva nas bolas em profundidade em detrimento de saídas em futebol apoiado.    
A questão é: há condições para se jogar melhor? Continuo a ter  grandes dúvidas. Por várias razões:  1) Quando olhamos para Pepe, por exemplo, vemos um dos melhores centrais do mundo em atividade, mas que só exerce a plenitude das suas capacidades atuando num bloco mais recuado (não comparar, por favor, com o que acontece na Liga portuguesa, em que o valor dos adversários não se compara a um Campeonato da Europa). Só isto obriga a Seleção a recuar as outras linhas para se manter compacta; 2) Cristiano Ronaldo não defende e pouco acrescenta num jogo mais associativo, como por exemplo vimos ontem fazer Benzema (CR7 tem mesmo de ser, apenas e só, o letal finalizador que ainda é). Ora, este handicap, digamos assim, implica que outros tenham de defender mais; obriga a que jogadores como Bruno Fernandes, Bernardo Silva ou mesmo Renato Sanches, habituados nos seus clubes a terem outros a defender por eles, façam mais jogo sujo; 3) a Seleção também não tem laterais que possam causar desequilíbrios. A mais recente tendência dos três centrais tem-nos lembrado a importância de ter jogadores profundos nas alas, pois é uma ótima forma de atacar sem perder segurança (a velha máxima de nunca percas a bola no meio continua a valer, seja em que competição for). Infelizmente para Portugal, João Cancelo saiu de cena (seria o nosso Kimmich), Nélson Semedo é curto e Raphael Guerreiro está a anos-luz do jogador rotativo que foi há cinco anos - o que nos leva a pensar se não será a hora de Nuno Mendes.
Frente à França vimos, no entanto, outras coisas boas: Renato Sanches é muito mais conhecedor dos tempos de jogo (com ele a bola fica mais segura), Palhinha encontrou imediatamente o ritmo, impôs-se e deu maior amplitude ao jogo comparativamente a Danilo, mantendo as rotinas do Sporting nas variações longas de jogo (se o trinco leonino ficar no onze, mais sentido fará a entrada de Nuno Mendes...) e o inevitável Cristiano Ronaldo continua a ter a mesma atração pelo golo.
Venha, pois, a Bélgica (em 2016 era a meia-final esperada, mas Gales  venceu os diabos vermelhos). O facto de Portugal ter defrontado os últimos campeões do mundo dá-lhe a bagagem para o confronto com o n.º 1 do ranking. Será um jogo para o tal bicho competitivo.