O belo exemplo que Guimarães deu

OPINIÃO11.12.201801:08

Num estádio que vive o futebol com elevado fervor clubista, como é o de Guimarães, com um público exigente e apaixonado pelo seu emblema e o quinto lugar em discussão, o Vitória SC-Rio Ave do último domingo reunia as condições suficientes para se transformar em complexo problema para a organização. No entanto, em vez de perigos e receios proporcionou um espetáculo exemplar: pela qualidade do jogo, pela disponibilidade dos praticantes, pelo empenho das equipas, pelo apreciável número de golos, cinco, e pela dúvida que pairou até aos minutos finais sobre o nome do vencedor.

Perante tantas e tão vibrantes emoções, os adeptos de ambos os clubes nem tempo tiveram para desviar os olhares do relvado, não sendo estranha  a tal ambiente frenético a circunstância de nos bancos de suplentes se terem sentado dois treinadores, Luís Castro e José Gomes, que muito aprecio,  não só pelo trabalho sério e lúcido, mas também pela educação e lisura como enfrentam a competição e as suas intrincadas especificidades, provando à saciedade, contrariamente a um pensamento instalado, que o sucesso não é diretamente proporcional  nem à intensidade dos gritos pretensamente motivadores, nem ao volume das agressões verbais dirigidas ao oponente.


Mostra-me como jogas e dir-te-ei quem te treina, foi um pouco a ideia que extravasou deste fantástico jogo, enriquecido pelo  facto, muito raro, de três dos  cinco golos terem sido marcados na sequência de pontapés de penálti, dois para o Vitória e um para o Rio Ave.


Mais surpreendente ainda, em função da desgraça reinante na arbitragem, os três lances foram corretamente assinalados e nem provocaram alarido no exterior.  Três juízos difíceis, mas assumidos prontamente pelo árbitro de apelido Almeida - e não Capela, Godinho ou Miguel, três descobertas da confraria -, o qual,  pelo esforço, tem cumprido notório percurso de valorização, apesar de  pouco considerado pelos patrões da arbitragem. De tal forma  foi  convincente e seguro na análise dos lances e nas decisões tomadas que das bancadas a mensagem mais interessante que se captou foi a de aceitação e concordância.


Os adeptos de Guimarães são irreverentes e tentados a violarem  a fronteira do razoável, mas anteontem mostraram, igualmente, que sabem  ver o futebol como deve ser visto, com animação, entusiasmo e correção. Se a referência suprema  mora  em Inglaterra, este Vitória-Rio Ave situou-se ao nível dos jogos da Premier League: a envolvência,  a festa, o futebol, os golos, o público. A Paz! Tudo o que um grande jogo deve oferecer.


Éestranho que situações felizes como a que Guimarães proporcionou sejam ainda tão raras na liga portuguesa. Não somente por culpa dos árbitros. Os treinadores, principalmente os mais convencidos, têm quota substancial de responsabilidades na balbúrdia, por entenderem  que o insulto e a desordem continuam a valer a pena, dada a complacência de um país futebolístico que, por uma vitória, é capaz de hipotecar os valores de uma sociedade moderna, culta e progressista.


É estranho porque o problema não é do VAR, uma ferramenta valiosa e de reconhecida utilidade, mas das pessoas. Dos árbitros e  seus mandantes, os quais, cada vez mais escondidos, se afadigam na promoção  de boas intenções sem abdicarem de hábitos antigos. Inultrapassável contradição que a realidade comprova. Já nem a classificação anual é publicada, dizem que com acordo dos árbitros.  Não duvido, mas a opacidade é a via mais rápida para proteger amizades e fomentar dissidências.


Hoje, como ontem, é infinda a complacência que o erro gera. Talvez seja mais resignação, por se intuir que nada é possível fazer para destruir essa abstrusidade que detém o poder de despedir treinadores, despromover clubes ou decidir títulos.


Quem joga bem está mais próximo de ganhar e quem joga mal fica mais perto de perder, é dos livros, por isso convém  não misturar  alhos e bugalhos: uma coisa é o que é, outra o que a arbitragem  suscita, por  sucessivas  avaliações deficientes e inadmissíveis. Antes era o erro humano, pela obrigação de decidir num segundo e sob enorme pressão. Agora, tem de acrescentar-se o erro humano de quem manipula a tecnologia em ambiente cómodo e de nenhuma pressão. Ah, pois, é o protocolo!    


É estranho, e mais estranho é porque entre o erro grosseiro e claro e o benefício da dúvida (oportuna expressão  que os especialistas alegremente utilizam) se pressente leve indício de uma subtil tentativa de inversão de marcha.