O banho!

OPINIÃO23.04.202107:00

A ‘guerra’ entre podersos clubes e UEFA e FIFA não é nova. Mas não pode, realmente, valer tudo

S E não fosse pelo ridículo (absolutamente triste), teria parecido uma das mais hilariantes comédias na história do futebol. Mas temo que o drama supere largamente o humor, porque o que poderá continuar a estar em causa é o próprio sistema, a organização, o conceito, a prática comum e, no fim, a sobrevivência do próprio futebol tal como o conhecemos hoje, uma grandiosa indústria de entretenimento, um espetáculo cada vez mais televisivo e talvez o melhor negócio do século XXI.
Esta ideia da Superliga Europeia que 12 poderosos clubes vieram anunciar não pode deixar de ser vista como algo que contraria realmente a natureza da competição desportiva. O futebol é, na essência, um jogo tão apaixonante como desafiante exatamente pela ideia e pelo espírito de os mais pobres poderem derrotar os mais ricos, ao contrário do que sucede na larga maioria dos outros jogos de desporto coletivo.
É isso que faz o futebol ser vivido ainda mais intensamente e é isso que torna o futebol tão popular em todo o mundo.
Portanto, do ponto de vista ideológico, nenhum fã do futebol poderia aplaudir esta ideia de Superliga europeia, tal como foi apresentada esta semana, transformando os homens-fortes de alguns dos mais poderosos clubes da Europa numa espécie de 12 indomáveis patifes que quereriam apenas olhar para os privados e porventura gananciosos interesses financeiros, sem cuidarem minimamente das virtudes públicas do futebol e do apaixonado, popular e intenso espírito desportivo que o deve fazer mover.
Se já não parecia lá muito bem que 12 clubes se tivessem unido para criar uma competição própria e mandar todos os outros à fava, a forma como essa união se desmanchou ao primeiro sopro tornou tudo, mais do que triste, ridículo. O que poderia parecer uma bomba atómica transformou-se, em apenas umas horas, numa bomba de... carnaval. De mau cheiro!
Andaram esses clubes três anos a trabalhar para desertarem ao primeiro abanão?!
O lado bom da coisa não é, evidentemente, a reação, corporativa e esperada, da UEFA e da FIFA, as entidades donas disto tudo; o lado bom da coisa foi verdadeiramente a reação dos adeptos, mostrando como o futebol e os clubes são do povo e não de quem os comanda, mesmo que os compre, ou compre a empresa que integra o clube.
O futebol, e os clubes, são muito mais do que partes de um negócio, por muito que se compreenda que alguma coisa deve ser feita, como a UEFA se propôs, aliás, fazer com a remodelação da Champions para 2024, exatamente por sentir que é preciso criar mais riqueza para os clubes e proteger, naturalmente, os mais fortes, porque são os mais fortes que têm mais mercado e criam mais impacto e geram mais receitas.
Nesse sentido, creio que o egocêntrico Florentino Pérez, líder do Real Madrid, não deixará de ter alguma razão quando afirma que quanto mais fortes forem os mais fortes, mais fortes poderão ser os mais fracos, porque são os mais fortes que contratam aos mais fracos jogadores por muito dinheiro, e fazem com que mais se desenvolva, assim, o futebol à escala global.

A pergunta, porém, é: resolve-se o problema criando um clube de luxo e reduzindo a expressão global do futebol a uma espécie de partida de golfe entre cavalheiros de suspeitas intenções?
Não creio que seja a ideia de uma elite exclusiva que vai resolver o problema. Mas que há um problema, parece-me inegável. Resta saber se os 12 perderam uma boa oportunidade de abanar com o sistema em vez de lançarem um projeto que, estava na cara, só poderia contar com a oposição de uma maioria, naturalmente incapaz de aceitar que o futebol, tão popular, possa, num certo sentido, ser privilégio apenas de alguns.
Não creio, porém, apesar de tudo o que sucedeu nas 48 horas provavelmente mais agitadas da história recente do futebol, que a guerra fique por aqui. Não é, aliás, uma guerra nova, se considerarmos a velha discussão entre clubes e federações e confederações por causa do peso das competições de seleções e as consequências desse peso nos clubes.
Veja-se, a propósito, como a UEFA criou mais uma competição, a Liga das Nações, sob o pretexto de elevar o nível competitivo dos chamados jogos particulares de seleções. Mas ao dividir as seleções e ao criar, também, uma ideia de elites (lá está, os melhores a defrontar só os melhores), não pode a UEFA esconder o também evidente objetivo financeiro da competição.
Não estará a Liga dos Campeões, desde a origem, ligada também à ideia de explorar as elites? E as mudanças que, entretanto, se sucederam não foram sempre nesse sentido, sobretudo a decisão de apurar diretamente para a fase de grupos quatro equipas de Inglaterra, Espanha, Itália e Alemanha?
Quando o FC Porto foi campeão europeu pela primeira vez, em 1987, defrontou na primeira eliminatória da prova uma equipa de Malta, o Rabat Ajax. Hoje, isso é impossível acontecer.

T ALVEZ os 12 clubes rebeldes - comandados evidentemente pelo mais poderoso clube do mundo, o Real Madrid -, e alguns outros que, não tendo entrado agora no revolucionário projeto da Superliga, verão sempre com bons olhos, evidentemente, a possibilidade de ganhar mais dinheiro, e a própria UEFA estejam condenados a ir aproximando os caminhos. A nova Liga dos Campeões que aí virá entro de dois anos é prova disso. Será tarde? Só os clubes o saberão.
Mesmo os legítimos interesses financeiros de quem promove o espetáculo, e são os clubes, não pode dar o direito a agir pela exclusão. Não pode valer tudo.
Mas também não deve valer a hipocrisia de muitos dos que vieram agora defender um futebol para todos e condenar a ideia de uma Superliga de ricos, pertencerem precisamente à elite dos que são mais ricos no futebol - alguns treinadores e alguns jogadores que vivem luxuosamente porque existem clubes que lhes pagam muito dinheiro, talvez, ou seguramente, mais do que deviam.
No fundo, creio que ninguém pode pôr-se à margem de uma certa ambição (ou mesmo ganância) pelo dinheiro, sejam oligarcas russos, bilionários americanos, magnatas industriais europeus ou asiáticos, ou realeza imperial do Golfo Pérsico, que dominam hoje os principais emblemas do futebol europeu, sejam as entidades organizadoras, FIFA ou UEFA, por exemplo, que se exibem como autênticos estados (outrora acusados de muita corrupção) dentro dos verdadeiros estados, sejam os profissionais (treinadores, jogadores, empresários…) que servem esses mesmos emblemas da elite do futebol continental e se tornam, por isso, porventura os mais ricos em toda esta cadeia.
Por isso, talvez mais importante do que pensar, no imediato, em gerar mais dinheiro, seja aconselhável ao futebol parar para pensar no que gasta.
Um banho de realidade, nos tempos difíceis que vivemos, só faria bem. A todos!

N OVO tropeção do líder Sporting e nova vitória tangencial do FC Porto, deixam a competição da Liga portuguesa de futebol verdadeiramente ao rubro. Bom para os adeptos e bom para a competição. Frustrante, de algum modo, para os fãs verde e brancos, por verem reduzida agora a quatro pontos a vantagem para o dragão perseguidor; estimulante para os fãs azuis e brancos, em sentido inverso, porque há um mês julgariam perdido o mais singular e atípico campeonato do futebol português.
Já o Benfica não poderia, em matéria de resultado, esperar e desejar melhor reação à derrota com o Gil Vicente do que a goleada conseguida em Portimão. Mas creio  que não deve convencer-se de ter mudado de novo da noite para o dia. Fica, naturalmente, do jogo das águias os bons golos e algumas boas movimentações ofensivas, muito em particular na segunda parte, na sequência do impacto positivo que causou no jogo encarnado a entrada do jovem uruguaio Darwin.
Mas fica também a sensação de déjà vu relativamente a muitas das fragilidades, como quantidade de passes errados, más decisões e más execuções individuais, que chegam a surpreender e a dar ideia de alguma falta de química entre os jogadores para uma melhor ligação como equipa. A águia precisa de curar também a frustração!