O árbitro e o poder do erro
O penálti inventado por João Pinheiro no último Boavista-Sporting foi apenas um dos mais recentes exemplos em que os árbitros, ajuizando mal, adulteram o resultado de um jogo. Além de ter sido mais um precioso testemunho para provar à saciedade que o problema central não reside no VAR, como ferramenta útil no combate ao erro grave, mas sim nas pessoas que dele se servem.
Pode recorrer-se ao VAR 1, apoiado por VAR 2 e VAR 3, que a questão essencial não se altera por ter mais a ver com a falta de vontade em mudar do que com a sofisticação do apoio tecnológico. Por muito que se faça constar o contrário, a realidade é iniludível: os árbitros erram porque se enganam e erram como estratégia para controlar o jogo.
A arbitragem, que se habituou a viver numa espécie de sociedade secreta, com regras próprias, que só ela sabe descodificar, sempre geriu com mestria uma relação de despudorada hipocrisia mantida ao longo dos anos com os restantes parceiros do edifício futebolístico.
Ora assumindo-se como a parte afrontada e desprezada, com sistemáticos lamentos sobre o ambiente hostil que lhe foi criado devido à relutância em aceitar-se que o erro é humano e o árbitro está obrigado a decidir sob pressão e em segundos, devendo, por isso, ser merecedor de perdão; ora sentindo-se detentora de um poder absoluto e incontrolável que lhe é atribuído pelo direito ao erro, mesmo que ele influencie resultados e classificações e interfira na despromoção de equipas ou nas carreiras de treinadores.
No entanto, quando o disparate é demasiado evidente e suscetível de perturbar a santa paz conventual da ordem do apito, se antes havia uma jarra, agora é utilizada técnica mais discreta e apurada, como sucedeu recentemente com o internacional sem carreira Fábio Veríssimo, entretanto de volta ao ativo e com o currículo purificado.
Oerro grosseiro pode ser uma arma destruidora, inevitavelmente associada ao desempenho dos árbitros, apesar de suavizada pela exemplificação de uma panóplia interpretativa de situações de jogo cuja compreensão escapa ao adepto comum, mas que especialistas na matéria, ao suscitarem desencontradas opiniões sobre casos idênticos, quase são capazes de demonstrar que o erro, afinal, é uma ilusão. O que existe são interpretações não coincidentes sobre o mesmo lance, ou sobre lances muito semelhantes.
Ficamos esclarecidos, dá para tudo: dá para anular um bonito golo a Luquinhas e com essa decisão retirar ao Desportivo das Aves a possibilidade de vencer em Portimão. Terá defendido o árbitro que um outro jogador avense (Derley, em posição irregular) prejudicou o campo de visão do guarda-redes algarvio. Uma interpretação provavelmente correta…
Dá, também, em enquadramento que pode considerar-se fotocopiado, para não anular o golo de Adrián López, no jogo com o Benfica. Terá argumentado o árbitro que um outro jogador portista não prejudicou o campo de visão do guarda-redes encarnado. Igualmente uma interpretação provavelmente correta…
O treinador do Aves, queixou-se, quanto a mim com razão, mas ficou a falar sozinho. No clássico, com todos os holofotes apontados, a irregularidade do golo portista foi abordada com mil cuidados pelos peritos, de maneira a não ferirem suscetibilidades, porque fica a dúvida se Pepe (que estava em posição irregular) interferiu ou não na visão de Vlachodimos.
Augusto Inácio substituiu José Mota à 18.ª jornada e desde então, em oito jogos, apenas regista duas derrotas, precisamente frente a opositores de outro campeonato: SC Braga (0-2) e Benfica (0-3).
Nos restantes encontros, assinala quatro vitórias (V. Setúbal, 2-1; Tondela, 2-0; Marítimo, 1-0; e Boavista, 2-0) e dois empates, com o Santa Clara (0-0), anteontem, e diante do Portimonense (1-1), na 23.ª jornada, o tal jogo em que Luquinhas marcou um golo que, a ser considerado, daria a vitória aos avenses e, consequentemente, lhes acrescentaria dois pontos na classificação (teriam, neste momento, 28).
O árbitro, Jorge Sousa, porém, decidiu em sentido contrário.
Por acaso, o mesmo árbitro que, no Dragão, uma semana mais tarde, em lance gémeo e comparável, teve julgamento diametralmente oposto. Em que ficamos? Na mesma, a fazer de conta, como convém…