O ‘all in’ de Ronaldo
Durante muitos anos, CR7 foi imune a tudo e manteve rendimento altíssimo
DESDE que se estreou no dia 14/08/2002 que Ronaldo tem tido uma carreira ímpar, marcada pelo sucesso, pela determinação, pela evolução, pelo talento, pelo profissionalismo e pela força mental que fazem dele um dos melhores de sempre. Vinte anos em que se tornou no maior goleador do desporto rei, no maior goleador de seleções, no maior goleador da melhor prova de clubes, a Liga dos Campeões. Passou por diferentes desafios, saiu da zona de conforto por diversas vezes e em todas existiu um ponto comum, Ronaldo foi CR7, foi desequilibrador e determinante para o sucesso das equipas por onde passou. Durante todos estes anos foi imune a tudo o que se passava, mantendo um rendimento incrível.
Foi só quando fez 37 anos e 20 após ter iniciado a sua carreira que CR7 se sentiu humano. O grave problema familiar que teve acabou por revelar uma ausência de solidariedade e apoio que Ronaldo necessitava ou pretendia por parte da cúpula do seu Man United. Este acontecimento gerou uma quebra de confiança entre as duas partes. Tudo o que estamos a assistir, desde o início da época (com erros de parte a parte), é apenas uma guerra fria que teve o seu ponto alto na entrevista que Ronaldo deu a Piers Morgan.
ESTRATÉGIA E CONSEQUÊNCIAS
COMO em tudo o que faz na sua profissão, não acredito que esta entrevista não tenha sido devidamente preparada. Estrategicamente, a conversa com Piers Morgan tem vários objetivos. O primeiro tem a ver com o facto de CR7 acreditar muito nas suas potencialidades e em si mesmo. Por esse motivo, escolhe este timing. Para fazer um all in no mundial. Se correr bem, como ele acredita, irá demonstrar que num ambiente onde o respeitam e admiram consegue ser aquilo que sempre foi, letal. Em sentido inverso, coloca pressão naqueles que para ele o quiseram destruir, demonstrando que não tem conseguido fazer o que sempre fez porque não lhe deram as condições necessárias. Se, por outro lado, correr mal e fizer uma prova ao nível do que tem demonstrado nos últimos 4 meses, outros caminhos se irão abrir e, com independência financeira, logo escolherá a melhor solução. Independentemente da prestação no Mundial, a consequência óbvia é o fim de linha em Manchester.
O segundo objetivo da entrevista tem por base o caminho que o United está a seguir. A referida falta de infraestruturas, o facto do clube estar parado no tempo ou a ausência de investimento em áreas que se tornaram fundamentais para a obtenção de resultados desportivos, são constatações duras para aqueles que gerem o clube e que têm estado debaixo de fogo nos últimos meses. Importa aqui recordar que Ronaldo não é o primeiro a fazer estas críticas. Mourinho já havia dito que a sua prestação no Man United (2.º lugar na liga + conquista da Liga Europa) foi um dos seus melhores trabalhos, o que de uma forma indireta nos queria demonstrar que existia algo que não se via mas que condicionava o sucesso do clube.
Ao criticar a evolução do clube ao longo dos últimos anos, Ronaldo sabe que está a criar instabilidade e que até pode gerar anticorpos no curto prazo. Conforme referiu na entrevista por diversas vezes, ele gosta do United e, quem gosta, diz a verdade e não se limita a abanar com a cabeça. Se no curto prazo pode gerar desilusão, a perceção de CR7 é que no médio/longo prazo os adeptos irão reconhecer que ele teve razão e que disse o que disse, para que o clube pudesse evoluir e voltar a estar em condições de se bater de frente com os rivais.
SELEÇÃO - A GESTÃO DE FERNANDO SANTOS
UM ponto que Ronaldo identificou na entrevista foi a falta de respeito que Ten Hag teve por si. Visto de fora, o único momento em que tal me pareceu suceder foi quando o treinador do Man. United o quis colocar dentro do relvado a dois minutos do fim de uma partida. Em tudo o resto, publicamente, Ten Hag sempre referiu que contava com Ronaldo e colocava em campo aqueles que entendia serem os melhores, o que não pode ser considerada uma falta de respeito.
Fazendo o paralelismo para o mundial e a gestão de Fernando Santos, algumas questões se levantam: o que acontecerá se o nosso selecionador decidir colocar CR7 no banco de suplentes? Satisfeito Ronaldo não irá ficar, mas será que irá apoiar os seus colegas e manter o grupo unido? Ou irá repetir alguns dos momentos que protagonizou recentemente no clube que representa?
Independentemente de tudo isto, a bola está do lado de Fernando Santos. Não há dúvidas que Ronaldo irá ser titular no primeiro jogo, até porque se CR7 estiver bem continua a ser o melhor finalizador que dispomos. Mas o que Fernando Santos deve ter bem presente é que temos um grupo de jogadores incríveis. Existem muitas e boas soluções para todas as posições e que não existe nenhum jogador que esteja acima do grupo de trabalho. O futebol é rendimento, sobretudo nestas grandes competições. Para manter a competitividade interna e a concentração de todos, é fundamental ter coerência e colocar os melhores nos sítios certos a cada momento.
‘I HAVE A DREAM’
ESTE mundial não é só um all in para Ronaldo. A prestação nesta competição é também muito importante para Fernando Santos e Fernando Gomes, pela polémica sobre a forma como a relação laboral entre o nosso selecionador e a Federação Portuguesa de Futebol foi criada e estabelecida. Apesar de ter tido algum ruído, a realidade é que esta notícia não teve grande impacto. Mas todos têm a noção que este tema está em lume brando à espera de um momento de fragilidade, para aí sim ser atacado de frente. Isto acontece porque este é o modus operandi em Portugal.
Como disse Martin Luther King, ‘i have a dream’. O meu sonho é que o desporto pelos valores que incorpora e pelo peso social, possa ser um exemplo na evolução que pretendemos para a sociedade. No desporto, dentro das quadras, das pistas ou dos relvados não há cunhas. Há qualidade, mérito, dedicação, trabalho, sofrimento e responsabilidade. Aqueles que não conseguem ter sucesso ou não são bem-sucedidos sofrem as consequências, porque são despedidos, porque não renovam ou não conseguem evoluir para patamares superiores. Isto é o desporto! E quem está ligado à gestão nesta indústria apaixonante deverá seguir os valores daqueles que se dedicam a 100% para chegar ao sucesso.
É fundamental que exista maior transparência, disciplina, meritocracia e responsabilidade nas decisões que são tomadas nos cargos de gestão. O desporto pode ser o motor para esta transformação, não permitindo ou retirando do panorama diretivo aqueles que não seguem os seus verdadeiros padrões e valores. Se conseguirmos que a qualidade da gestão se aproxime da qualidade do trabalho que é feito pelos treinadores e atletas de diferentes modalidades, seremos cada vez mais fortes e, sem dúvida alguma, um exemplo a seguir para outras áreas.
ESPERANÇA
OMundial está a começar e as expectativas em torno da prestação de Portugal são grandes. Temos um grupo de atletas de enorme qualidade, que jogam nas melhores equipas mundiais, que estão habituados a jogar sob pressão, que têm muita personalidade e que têm uma enorme honestidade intelectual que lhes permite tirar as suas próprias conclusões sem medo das palavras.
Por tudo isto, será importante que Fernando Santos perceba que estes 26 atletas escolhidos por si, estão habituados a jogar para ganhar, a controlar o jogo com bola, a assumirem-se perante os adversários que encontram pela frente. Como o Benfica tão bem nos tem demonstrado, quando os jogadores estão alegres e comungam da visão do treinador, tudo fica mais fácil.
Para se chegar longe numa competição como esta, a união, a dedicação, o esforço e o sofrimento têm de estar presentes. O que nos diferencia de 80% das seleções presentes no Catar é que, além de tudo isto, também temos qualidade, muita qualidade. Se nos cruzarmos com uma das seleções mais fortes (do nosso nível) a inspiração será o último condimento que poderá fazer a diferença.
A VALORIZAR
Bernardo Silva
Chega ao mundial como um jogador único, completo. Tem a capacidade de jogar em várias posições, o que demonstra a capacidade de adaptação e leitura de jogo. Mas o que o torna especial é a forma como, em cada uma das posições onde é colocado, apresenta uma qualidade que está ao alcance de poucos. Aos 28 anos é, talvez, a maior figura da nossa Seleção.
Gonçalo Ramos
24 minutos em campo, um golo e uma assistência. Tem golo, tem compromisso e trabalha para o coletivo. Pode ter um papel importante na equipa nacional.
Otávio
Contra a Nigéria demonstrou, mais uma vez, a sua qualidade. Importante nos equilíbrios, agressivo na disputa de bola e com muito critério com a bola nos pés. Parte na pole position para o primeiro onze de Portugal no Mundial.
A DESVALORIZAR
Gana
A polémica em torno do esquecimento ou não dos equipamentos cria ruído e demonstra desorganização. O Mundial é um evento único onde todos os pormenores fazem a diferença. Sendo adversário direto de Portugal, desejamos que o Gana, dentro das 4 linhas, demonstre a mesma desorganização que revela fora dos relvados.