Novo Jesus para novo ciclo

OPINIÃO04.08.202003:30

Jorge Jesus foi ontem apresentado no ambiente simpático da academia  do Seixal e de uma assentada Luís Filipe Vieira resolveu dois problemas: o do novo treinador, obviamente, e o do processo eleitoral de outubro, o qual, se dúvidas houvesse, a partir deste momento, e em função do que foi afirmado na cerimónia e do que se  pôde captar nas entrelinhas, fica francamente favorável à reeleição do atual presidente e à prossecução do seu projeto, que existe e vai ser enriquecido com outros conceitos e outras ideias na interpretação do futebol moderno. Promessa de Jesus, que recusa em absoluto o epíteto de salvador, porque, segundo ele, a salvação, no sentido de consolidar a hegemonia interna e recuperar prestígio internacional, ganhando na Europa, vai ser obra de uma nação benfiquista que ele quer ver unida.

Jesus acredita no projeto e acredita a «cem por cento» em Vieira. Considera-se mais treinador, com uma visão mais precisa e abrangente depois das experiências por que passou e foi de uma genial perspicácia ao erguer um biombo entre o presente e o passado. Por isso, foi com especial ênfase que declarou ser, acima de tudo, treinador  de futebol que morre pelas equipas onde trabalha, hoje outra vez no Benfica, ontem no Flamengo, anteontem na Arábia ou em Alvalade.

O terceiro ator do trio bairrista, como Vieira o designou, chama-se Rui Costa, elemento de absoluta confiança presidencial, figura querida de toda a família da águia e que goza de  muito prestígio além-fronteiras.  Aparentemente, foi promovido ao supremo gabinete que vai gerir o futebol da águia, ele que já é administrador, embora se questione com alguma justificação o motivo da sua discrição, se calhar igualmente aparente. Na minha opinião, Vieira não hesitou e transmitiu  um sinal muito forte a uma oposição oportunista que tenta fazer-lhe frente e aproveitar-se do seu trabalho e da sua obra,  lembrando eu os mais distraídos que há uns anos a sala de conferências do Giuzeppe Meazza, em Milão, ficou literalmente atafulhada de televisões, rádios, jornais, de tudo o que era comunicação em Itália por causa de uma simples notícia: a possibilidade de Rui Costa chegar à presidência do Benfica. Carlo Ancelotti, divertido e com um saber do tamanho do mundo, adiantou então que não acreditava por ser ainda cedo para o «Rui ser presidente». Seguramente, continua a ser cedo, mas, amanhã ou depois, como gosta de dizer Vieira, nunca se sabe, talvez deixe de o ser, depende. Não sei se os candidatos a candidatos entenderão…  

Veríssimo, uma bela surpresa

Quando um treinador, desejando proteger a honra da equipa, afirma que ela merecia levar o jogo para prolongamento e, no limite, arrastá-lo até aos penáltis, é porque sente que não trabalhou o suficiente para o vencer. Nélson Veríssimo  terminou a  ingrata missão de assegurar a passagem de testemunho para o novo normal do Benfica com o mínimo de estragos, o que conseguiu com assinalável êxito, ao recuperar a estabilidade possível para concluir um campeonato em que tudo chegou a ser  colocado em causa, até o segundo lugar abalou em face da ameaça leonina. Esse objetivo foi alcançado, através de quatro vitórias (Boavista, V. Guimarães, Aves e Sporting) e um empate, em Famalicão, mas uma  final da Taça de Portugal exigia mais, exigia o que vários jogadores não foram capazes de dar.  Quando a qualidade é limitada, pelo menos não falte atitude, ambição, garra e coragem, o que se deve pedir a profissionais lutadores e empenhados, que os portistas foram e os benfiquistas pareceram, razão pela qual dez jogadores poderem ser (ou valerem) mais do que onze, uma impossibilidade aritmética contrariada por uma probabilidade desportiva com que Vítor Serpa titulou a sua crónica, sintetizando em meia dúzia de palavras a real história do jogo.

Veríssimo, a quem presto a minha homenagem pela elevação e serenidade que sempre mostrou em tarefa de tamanha complexidade, executada com notável sentido de responsabilidade, sabe muito bem o que se passou em Coimbra, sabemos todos. Não é preciso ter curso de treinador para perceber que com Luis Díaz ou sem ele, com Conceição no banco ou na bancada,  o único interveniente com alma para ganhar foi o FC Porto e esse estado de espírito ficou bem vincando desde o primeiro minuto, enquanto do lado contrário se nos deparou um Benfica cheio de intermitências,  que  cedeu à determinação do oponente e foi estranhamente apressado  na resignação. Mas, como a última imagem é a que mais tempo resiste  na memória, reservou para os derradeiros minutos uma reação, misto de obrigação e conveniência, característica de quem apenas quer fazer de conta. Uma estratégia, aliás,  por detrás da qual  alguns dos seus jogadores mais influentes  se refugiaram ao longo desta época  com frequência inabitual: primeiro dão de avanço, depois correm atrás do prejuízo.   Eis a realidade, o resto é  conversa para ajudar a preencher o tempo.

Na sua última intervenção pública, após a derrota em Coimbra, momento particularmente difícil de gerir as emoções, Veríssimo compareceu na conferência de Imprensa com a noção do dever cumprido. No princípio, soube respeitar a figura de Bruno Lage, ao declarar-se cúmplice em tudo quanto de mau e de bom se fez durante o seu consulado, e, no adeus,  em resposta a uma pergunta armadilhada, abriu a porta do futuro a Jesus, sublinhando que «a sorte dele será a sorte de todos os benfiquistas». Em conclusão, Nélson Veríssimo foi uma bela surpresa. Esteve sempre à altura da grandeza do emblema da águia.