Notas da Volta
Aqueles milhares de telemóveis nas bermas da estrada entre a Sertã e a Torre, ou na subida da Senhora da Graça, juntavam avós e netos
Hoje termina, com um contrarrelógio, na minha cidade natal, na linda, monumental e atrativa cidade de Viseu, mais uma edição da Volta a Portugal. Tudo está em aberto, mas com Amaro Antunes da W52/FC Porto a ser na etapa derradeira o camisola amarela. Uma edição marcada pelo vírus que a atingiu e limitou, que levou a exclusões e a desilusões. Por esta razão não falarei dos jogos já realizados da segunda jornada da nossa principal Liga, em particular dos jogos na Luz e em Braga, nem anteciparei o primeiro jogo do determinante acesso do Benfica à fase de grupos da Liga dos Campeões frente à forte equipa holandesa do PSV. Nem da participação portuguesa na nova competição da UEFA, a Liga Conferência, em rigor uma Liga Europa 2. Nem o papel determinante do João Mário na equipa do Benfica ou do ânimo atacante de Yaremchuk. Nem sequer da disputa em Espanha entre a Liga e Real de Madrid e Barcelona acerca dos direitos televisivos e de uma possível venda, centralizada, por largos anos! Nem, ainda, da contratação de Messi pelo PSG que se tornou o novo Rei de Paris! Na verdade os números dos primeiros dias de Messi em Paris são impressionantes. Camisolas vendidas, redes sociais inundadas e ampliadas, periódicos franceses, e por excelência os generalistas, a encherem as primeiras páginas com a «chegada de Leo Messi a Paris»! E com Barcelona, mesmo tirando Messi dos seus principais painéis, a ficar órfã de um jogador que era o símbolo de um clube, de uma região, da Catalunha. E em cada dez camisolas vendidas do Barcelona… e ao que leio, oito eram de Messi… com o seu número 10. Agora é o 30 no PSG e em Barcelona há muitos… trinta e uns para resolver! Tudo depende dos resultados desportivos! Mas acredito que vamos viver uma quente, tórrida, segunda quinzena de agosto, seja em termos de temperaturas atmosféricas seja em termos de compras ou empréstimos, com opções de compra, de jogadores. E começando este fim de semana as ligas inglesa e espanhola e com jogos que ajudarão a mostrar o Barcelona sem Messi, o Real de Madrid sem Sérgio Ramos - também está no PSG -, os Manchester(s), Liverpool e Chelsea em Inglaterra e,aqui, com a nossa particular atenção nas equipas lideradas por Bruno Lage e Nuno Espírito Santo. Haveria ainda muito para refletir acerca da operação Messi, pela equipa do PSG, dominada por fundos estatais do Catar... a um ano do Mundial do Catar. Impressionantes coincidências de uma equipa de estrelas de França e da Holanda, da Argentina e do Brasil, de Itália e de Espanha, entre outras nacionalidades. Sem esquecermos, por ora, o nosso Danilo e a importância de um português, Antero Henriques, no arranque da construção deste tempo e plantel de estrelas no clube de referência de Paris e de França!
Vamos à Volta. Estive na etapa da Torre, na longa fuga, e fui conduzido pela Jaime Ambrósio, um antigo ciclista que, como o Cândido Barbosa ou o Rui Sousa, regressam às estradas para nos proporcionarem horas de adrenalina, singulares recordações, vivências extraordinárias. Vivi a grande fuga da etapa da Torre e o sonho, não concretizado, do Luís Gomes da Kelly/Simoldes/UDO. Mas, por excelência , senti , graças ao Jaime e também à simpatia do Joaquim Gomes, a genuína alegria do povo. Em cada aldeia ou vila havia, em regra, e pelo menos, duas bandeiras nacionais. Simbolizavam a Volta… a Portugal. Afinal a única competição desportiva nacional que tinham o privilégio de vivenciar, de assistir ao vivo. Mesmo que por poucos segundos. Escutei as palavras de um casal que, apesar da sua idade - quase igual à minha… - me reconheceram e me disseram, com uma sinceridade que me emocionou: «Senhor Doutor, esta Volta é o que nos resta! Aqui não se passa nada. Falam de nós mas esquecem-se de nós. Veja lá se fala da gente»! Sim, falo. Aqui estou a escrever como prometi. E a dizer que o Presidente Marcelo ou o primeiro-ministro António Costa poderiam fazer parte de uma etapa de uma próxima Volta, principalmente nos territórios ditos de baixa intensidade. Acreditem que, tal como eu, ficariam mais ricos, mais sensibilizados, mais emocionados. O presente, este presente, é uma ponte entre o passado e o futuro. E aqueles milhares de telemóveis nas bermas da estrada entre a Sertã e a Torre, ou nas chegadas à Guarda ou a Bragança, ou na subida da Senhora da Graça, juntavam avós e netos. Cada um(a) buscava a melhor fotografia ou o melhor ângulo para o vídeo. E nós, visitantes, em rigor forasteiros, percebíamos que aquele instante registado era um momento de prazer, de afeto com o Outro, de partilha de uma pertença singular. A Volta, e aquela etapa, como decerto todas as outras, e com a memória do Jaime - um abraço! -, ajudou a redescobrir este Portugal que sofre e sorri, que desespera e acredita, que sabe o que é a dor e a suplanta, que merece consideração, proximidade e estima. E a Volta concretiza, também com as imagens e os sons da RTP, a proximidade que é generosidade, a estima que é simpatia, o amor que é afeto. Por mim não esqueço, para além das cores dos principais clubes, as bandeiras de Portugal. Na Volta… a Portugal!
Apesar do Covid-19, A Volta a Portugal está nas estradas e tem sido uma festa
Sim, a Volta é encontro e estórias, fugas e sprints, camisola amarela e carro vassoura, motos e comissárias, visitantes e patrocinadores, comunidades de partida e locais de chegada. E sempre a sua singular tribo! Mas a Volta é, também, uma pausa gastronómica. Recebidos na na Quinta do Portal, pelo simpático e eficiente anfitrião, Rui Pereira, para um jantar de degustação com o Douro lá em baixo, com o chefe Milton Ferreira. Fixem e registem, para nossa memória futura, este nome. A francesinha, as vieiras, um rabo de boi ou um pregado com milhos de ameijoa, acompanhados de adequados vinhos Portal, são de chorar por mais! Nunca mais se esquece aqueles paladares. O toque e o sabor. Depois no Rei dos Leitões, e para além do leitão, as iscas do mesmo ou, com o toque singular da Lídia, e com o olhar sereno de aprovação do Paulo, um morgado do Bussaco, a evidenciar que há gente, como naquele abrigo gastronómico, que quer preservar a memória da doçaria daquele pedaço de Portugal que vai da Mealhada ao Bussaco e àquele Grande Hotel onde tantas vezes parei nas viagens para férias na Figueira da Foz. E, em Viseu, e para além do Montebelo, do Cortiço, da Mesa de Lemos, da Quinta da Magarenha ou do Casablanca, recomendo uma ida à Amaral, aquela confeitaria na Alexandre Lobo, que nos leva aos viriatos ou aos pastéis de feijão, às rotundinhas ou pão de ló e que nos fazem regressar, como em cada edição da Volta, à nossa infância, às nossas raízes e referências, à certeza que no «mesmo berço se nasce e se morre». E cada edição da Volta, mesmo com este vírus que tanto a perturbou e bem a condicionou, é o regresso ao Portugal que importa vivamente conhecer e sempre acarinhar. Longa vida à VOLTA. Bem-haja a todos e a todas que a proporcionam e a tornaram possível!