Noite de gala em Famalicão
Benfica perdeu os dois jogos com o FC Porto neste campeonato, mas no anterior ganhou os dois, é assim o futebol, afirmou o treinador benfiquista, lembrando também que enquanto há um ano saiu do Dragão com dois pontos de vantagem, desta vez saiu com quatro, o dobro, mas, no limite máximo, poderia sair com dez se tivesse abordado o jogo para ganhar, como fez Sérgio Conceição, e não para controlar, como respondeu Bruno Lage.
A Liga retomou o seu curso normal na medida em que o fosso de sete pontos criado entre os candidatos ao título na última jornada da primeira volta teve mais a ver com os imprevistos que nenhum treinador domina (dois penáltis não convertidos pelos portistas na derrota tangencial com o SC Braga) e menos com a real capacidade dos emblemas, como este clássico expressou com nitidez, porque se o dragão foi mais competente nos dois confrontos com a águia, é igualmente verdade que foi mais desmazelado do que ela no preenchimento do resto do calendário, e como o campeonato é uma prova de regularidade, disputada por 18 clubes, basta somar a totalidade dos pontos e tomar nota da diferença que os separa: um será campeão dos grandes, outro campeão a sério e, no final, vai toda toda a gente de férias, feliz e contente.
Quatro pontos, a 14 jornadas do fim, significam, em qualquer circunstância, para um líder confiante e determinado, margem de conforto que os adversários diretos (apenas um), numa Liga com as características da portuguesa, terão dificuldade em anular. Basta reparar no ciclo de resultados do Benfica e na sua longa invencibilidade fora, agora travada pelo FC Porto.
Conceição reuniu as suas tropas, avaliou-as em todos os setores, falou-lhes ao coração e preparou-as para lutar ao frio e à chuva. Lage teve os mesmos procedimentos, muito provavelmente, mas terá enveredado por uma via mais teórico/científica, eficaz para confronto na PlayStation mas talvez de menos para um jogo a sério e cheio de escolhos. Sirvo-me deste exemplo desajeitado com a única intenção de enxergar uma explicação para o facto de na maioria dos duelos individuais os portistas terem levado vantagem devido a uma «agressividade no bom sentido», como julgo ter ouvido a Bruno Lage e com quem estou inteiramente de acordo. E mesmo que não tenha dito exatamente aquela frase, é uma ideia que perfilho. Houve mais arreganho por parte do dragão e mais gente escondida no lado da águia, assim se desenhando a fronteira entre as atitudes das duas equipas, assentes no mesmo sistema, embora com visões distintas na construção, na aplicação e no desenvolvimento: mais dinâmico, versátil e solidário o FC Porto; mais posicional, previsível e repentista o Benfica
Em conclusão, bom clássico, não muito elaborado, mas rijo. Houve respeito mútuo e triunfou quem mais fez por isso: o FC Porto. O resto interessa, somente, aos comunicadores profissionais para justificarem o dinheiro que ganham com as intrigalhadas que espalham.
Ninguém gosta de perder, mas custa entender tanto alarido vermelho e, principalmente, a dificuldade em encarar a realidade com serenidade e de cabeça levantada, mais agreste para o FC Porto, que está quatro pontos atrás, e mais agradável para o Benfica, que está quatro pontos à frente. Qualquer treinador no lugar de Lage, com o plantel de que dispõe e no campeonato em que compete, faria uma festa, mas, estranhamente , parece que uma desgraça desabou sobre a águia e a incapacitou de continuar o seu percurso de sucesso. Com sobressaltos, sim, mas quem os não tem?
Esta noite, joga-se a segunda mão da meia-final da Taça de Portugal e o Famalicão, através do seu treinador, deu a conhecer o que pretende. Sem elevar o tom de voz, em discurso cordial e sensato, João Pedro Sousa fez a sua opção. A presença no Estádio Nacional e o que ela representará para o clube e para cidade é, neste momento, o objetivo prioritário. A eliminatória está por decidir e, em concreto, os dois golos marcados na Luz permitem-lhe acreditar, com justificada legitimidade, na esperança de pela primeira vez na sua história o Famalicão estar representado na final mais desejada, a do Jamor.
Bruno Lage, dia e meio depois do tropeção no Dragão, projetou o jogo de Famalicão com lucidez e pareceu-me vacinado contra todo o tipo de fantasmas que os donos da sabedoria agitam com frenesim quando pressentem a confusão. Evitou lamentos sem jeito e concentrou-se no essencial: compromisso muito difícil pela frente que é preciso ganhar. Nem se queixou da sobrecarga de jogos. Pelo contrário, confessou que os seus jogadores estão motivados e ansiosos por apagar as más memórias do clássico. Foi uma boa conferência, ontem. Será um jogo grande, hoje, autêntica noite de gala com duas equipas que gostam de dar espetáculo e são orientadas por treinadores que fazem parte de uma nova geração empenhada em aproximar o futebol luso do inglês, por onde ambos passaram.
PS. Curvo-me perante a hombridade com que Bruno Lage se referiu às conversas que teve com o árbitro Artur Soares Dias no final do clássico no Dragão. Cumprimentou-o, primeiro, e pediu-lhe desculpa, depois. Sinais de novos tempos, felizmente.