No limite, campeão do 3.º lugar
A Champions é o objetivo crucial para a ‘saúde’ financeira do Benfica e para o maltratado projeto, a começar pelo virar de costas à formação
ACABOU mal a época passada do Benfica devido ao atabalhoado afastamento de Bruno Lage, à 29.ª jornada, imediatamente a seguir à derrota na Madeira, em que ele só terá tido conhecimento que já não fazia parte da história no aeroporto do Funchal, ao ouvir as notícias, antes do embarque para Lisboa.
Também não começou bem a presente temporada. Primeiro, devido a uma cerimónia de apresentação marcada por bizarra declaração de Jorge Jesus, que todos os treinadores adversários imediatamente anotaram para mais tarde mostrarem aos seus jogadores quando jogarem com o Benfica, como suplemento motivacional, tamanha foi a absurdidade do que disse; depois, pelo violento choque que foi a interdição de acesso à Liga dos Campeões por causa de um PAOK banal, orientado por Abel Ferreira, que foi muito cuidadoso e seletivo nos trabalhos de casa, como se viu, focando-se nas mais notórias debilidades da formação encarnada, explorando-as e provocando à águia, logo ali, para início de conversa, um rombo de dezenas de milhões de euros que viria a implicar imediata retificação estratégica com a venda de Rúben Dias ao Manchester City, como solução de recurso para reequilibrar as finanças do clube.
Defendo que Luís Filipe Vieira não tinha necessidade de trazer Jorge Jesus para o processo eleitoral, pois, mesmo sem ele, continuaria a merecer a confiança da maioria dos associados. Pelo contrário, ficou por saber-se quantos votos essa loucura lhe terá proporcionado, porque, do meu ponto de vista, esta contratação foi coisa de loucos, a começar pela colossal despesa que lhe está associada e que a realidade do País, e do seu futebol, não comporta.
Omal está feito e, aqui chegados, em função da nebulosidade que continua a turvar o ambiente na casa da águia, se o presidente mantiver o grau de exigência que teve em relação a Vitória e a Lage, então, Jesus, muito provavelmente, aproxima-se do olho da rua, pela razão simples de o seu registo ser pior do que os dos antecessores à data das respetivas dispensas.
Rui Vitória saiu, ao fim de três anos e meio de ligação, depois de ter perdido em Portimão (0-2), com autogolos de Rúben Dias e Jardel, em janeiro de 2019, à 15.ª jornada. O Benfica era quarto, a um ponto do Braga, dois do Sporting e sete do FC Porto, com uma média de 2,13 pontos/jogo.
Bruno Lage recebeu guia de marcha ao perder com o Marítimo, nos Barreiros (29.ª), com 64 pontos, média de 2,20, contra 70 do FC Porto, apesar de, dias antes, o presidente, em entrevista ao canal da clube, ter afirmado que ele iria continuar, por ser o treinador ideal para o projeto, «independentemente de ser campeão», sublinhou.
Pois, palavras, leva-as o vento e, cerca de duas semanas após ter sido mandado para casa, foi confirmado o regresso de Jorge Jesus à Luz, o que já se suspeitava e muitos adeptos da mudança davam como certo, prova de que Lage andou a ser queimado em lume brando e à primeira oportunidade foi chutado para fora de campo.
JORGE JESUS chegou, estamos a meio da época e, tomando como ponto de referência a 17.ª jornada (última da primeira volta), do seu entusiasmante quarto lugar (média de 2,00) olha para cima e enxerga o Sporting na liderança, com mais onze pontos. Para captar idêntico cenário classificativo é preciso recuar até 2004. Era José António Camacho o treinador.
As contas são fáceis de fazer: a Liga dos Campeões não chegou a ser, perdeu a Supertaça, na Taça da Liga saiu de cena na meia-final, diante do SC Braga (segunda derrota esta época), e no Campeonato é o que se vê, missão praticamente impossível. Sobram a Taça de Portugal (bem encaminhada) e a Liga Europa, uma excelente oportunidade para fazer o que ainda não foi feito: em vez de cantar finais perdidas, é chegar lá outra vez, ganhá-la e aceder à Champions.
Para um treinador pago a peso de ouro, que se considera uma sumidade na área do treino, de nível mundial, eis uma magnífica oportunidade, ultrapassados os problemas pandémicos, para assumir a candidatura a um título europeu, conquistá-lo e condenar à vergonha eterna quantos, como eu, ousam duvidar da panóplia de competências de que se gaba.
Asituação está muito difícil e, no limite, deve preparar-se o universo benfiquista para o campeonato do 3.º lugar, o último que dará entrada na Liga dos Campeões da próxima época, ainda que condicionada. É o objetivo crucial para a saúde financeira do clube e para a salvação do projeto de Vieira, que anda maltratado, a começar pelo virar de costas à formação. De repente, tudo começou a ser posto em causa, desde os miúdos maioritariamente rotulados como inaptos e descartáveis, aos crescidos que ou não entendem o que o treinador quer deles ou é o treinador que não se quer fazer entender para despachar alguns e reclamar a aquisição de outros: o costume, mais uma mão cheia de brasileiros, um mercado que vende caro porque há bons compradores…
Luís Filipe Vieira tem um intrincado imbróglio para resolver, mas também é verdade que muito contribuiu para ele. Acredito que agiu plenamente convencido de que Jesus seria a pessoa certa para revitalizar o futebol benfiquista, recuperar a hegemonia interna e atacar o projeto europeu, mas talvez tenha subavaliado um pormenor importante: cinco anos em futebol é muito tempo, e as pessoas mudam.