Não lhes peçam milagres
Os Jogos Olímpicos são o melhor espelho da relação de um Estado com o Desporto. Em Portugal é visto como pouco mais que um hóbi
Ahistória foi muito bem documentada no livro Virar o Jogo, de João Medeiros: perante o fracasso nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, tendo ficado em 36.º lugar na lista de medalhas, atrás de países como a Argélia ou o Cazaquistão, a Inglaterra enfrentou o problema de frente, com intervenção governamental. Foi criada uma agência própria para o efeito, a UK Sport, que passou a usufruir de fundos provenientes da lotaria nacional. A atribuição de verbas foi feita segundo critérios muito rigorosos: o dinheiro não pôde ser usado para aumentar o número de atletas elegíveis para uma Olimpíada, antes para um único objetivo - conquistar medalhas, empenhando-se os britânicos nos desportos onde essa possibilidade seria mais exequível. Além da implementação da tecnologia e na aposta na ciência de dados (uma verdadeira revolução), o Estado criou (com o dinheiro dos apostadores) mais centros desportivos e os atletas passaram a treinar-se a tempo inteiro. O projeto, de longo prazo, teve resultados extraordinários: em 2012, nos Jogos Olímpicos de Londres, o Team GB conquistou um número inédito de medalhas: 65; no Rio de Janeiro, quatro anos depois, fez ainda melhor: 67, terminando a competição como a segunda equipa nacional (nos Jogos Olímpicos a Inglaterra, Escócia e País de Gales competem como um único país) com mais medalhas, apenas atrás dos Estados Unidos da América e à frente da China.
Isto custa dinheiro. Segundo a página dos gastos públicos do Governo, o salto em frente é evidente: dos €70 milhões investidos em Atlanta-1996, os ingleses gastaram quatro vezes mais em 2012: €310 milhões. Em 2016 a fasquia subiu para €322 milhões e para Tóquio o valor situa-se nos 404 milhões de euros.
Isto permite colocar em perspetiva casos como o português. Vejamos: o Estado, através de um contrato-programa, investiu €18,5 milhões para a atual olimpíada, o que dá 201 mil euros por atleta (foram 92 para Tóquio). Pode parecer muito mas na verdade é muito pouco comparando com os britânicos, que investem €1,07 milhões por cada representante olímpico. Cinco vezes mais.
É por isto que as minhas expectativas são sempre muito baixas no que respeita a medalhas nos Jogos Olímpicos para as cores lusas. Porque as condições dadas aos nossos atletas não se comparam com outras realidades europeias. «Sonhar com medalhas é bastante empírico e irrisório», disse, a propósito, João Pereira, 27.º na prova de Triatlo, acrescentando: «O desporto em Portugal é bastante difícil, as condições são bastante duras, vivemos muito com base só no resultado. O amanhã é sempre imprevisível, é um ponto que temos de mudar a todo o custo, para dar melhores condições aos atletas.»
Portugal continua a depender mais do supra talento individual (esperamos todos que quando estiver a ler este jornal, Jorge Fonseca tenha conquistado uma medalha no judo, ele que é a maior esperança nacional) do que de uma força estrutural. Se não tiverem o apoio dos clubes a esmagadora maioria dos atletas vai para uma edição dos Jogos Olímpicos muitas vezes para competir contra si próprio (recordes pessoais), porque mais do que isso é, voltando a citar o João Pereira, «irrisório».
A questão é política. E há que assumi-lo, ou pelo menos devia sê-lo. Portugal não vê o Desporto como um meio de desenvolvimento de uma sociedade, ponto. Isso foi cristalino durante a pandemia e também no Plano de Recuperação e Resiliência. Há anos que os vários Governos olham para o fenómeno desportivo como um hóbi e não como um pilar estrutural. Devemos atribuir essa responsabilidade aos vários executivos e à sua falta de visão, evidentemente, mas igualmente à própria sociedade, que nunca exigiu aos seus governantes uma verdadeira política de desporto para o País - e todos sabemos como rapidamente o atual Governo é lesto a responder a quem faz muito barulho. Infelizmente, Portugal ainda é um país com uma reduzida cultura desportiva e não por acaso continua a ser dos países da União Europeia com os níveis mais altos de sedentarismo, mesmo com um dos melhores climas do Velho Continente. É o País que grita, sentado, por um penálti.