Montanha russa com Luz à portuguesa

OPINIÃO27.08.201900:48

1Do Alentejo à  Luz, para ver o clássico. Uma Luz cheia, mas, para mim, uma Luz relativamente triste, não me perguntem porquê, porque não sei responder objectivamente. Em parte, talvez porque tenha sido obrigado a mudar de lugar e de posição face ao rectângulo de jogo. Não porque a nova posição não seja boa em termos de visão do que se passa no relvado, direi mesmo que é melhor do que aquela que vinha tendo há mais de uma década. Até ao jogo da época finda em que nos sagrámos campeões, era um grupo de amigos e sócios benfiquistas de longa data e alma cheia, num camarote durante mais de uma década, agora despejado para ceder lugar a uma qualquer entidade que tem, evidentemente, retorno bem maior para o clube. Teria curiosidade em saber quem terá ocupado os nossos ex-lugares. Benfiquistas? Portistas? Convidados circunstanciais do novo usufrutuário corporate do camarote? Ou até indivíduos sem clube que vão a um jogo como se fossem a uma outra coisa qualquer? Enfim, o primado do sócio secundarizado e a primazia do retorno financeiro impositivamente à frente.  Manda-se às malvas o contributo de décadas e décadas de sócios que pagaram as suas quotas, ingressos, custos de lugares cativos, e que vibram sem limites pelo seu amado clube como se, num ápice, tudo isso pouco contasse. No meu clube, o dinheiro é decisivo, mas não é tudo. Lembro aqui o que o seu Presidente tem dito repetida e peremptoriamente:  «a vossa presença [dos sócios] é exactamente aquilo que somos: um clube que é dos seus sócios. Um clube que se mantém fiel às suas origens e à vontade dos seus fundadores. E essa realidade nunca mudará, pelo menos enquanto eu for presidente do Sport Lisboa e Benfica. Não há segredos ou fórmulas mágicas, sem os sócios e o vosso entusiasmo e apoio, não teríamos chegado aqui. É isso que celebramos, a vontade, a determinação, a liderança, e a fidelidade dos sócios a um projecto que cada ano se renova» (27.02.2016).
Verdade seja dita que o que agora escrevo não contraria, antes pelo contrário, todas as diligências e atenção que os responsáveis da área dos sócios e de marketing fizeram para minorar os efeitos da transumância a que fomos impelidos. A nós e, estou certo, a outros sócios que foram sujeitos à mesma decisão.

2Fiz esta introdução, quase sentimental, para referir que a estreia no novo lugar (no qual o som mais audível até vinha da claque portista…), não poderia ter corrido pior. O Benfica perdeu, sem apelo nem agravo. Incompreensivelmente, o capital de confiança encarnada virou inquietação e o adversário que arriscava muito mais neste clássico jogou com uma tranquilidade quase imperial. Resultado justo, sem sombra de dúvidas.


Neste início de época temos assistido a um período de sobressaltos, em jeito de montanha russa, ou a que chamaria a escala de Richter futebolística. Um Benfica, até aqui dominador, sucumbe estrondosamente à terceira jornada. Um Porto desastroso em Barcelos e no seu Estádio face a um modesto adversário russo (entretanto goleado pelo Olympiacos por 4-0!), derrotou claramente a águia até então imperial. O Sporting depois de goleado pelo Benfica na Supertaça e ter cedido um empate no Funchal é o agora primeiro classificado. Como é implacável a natureza, bela ou trágica, do ajustamento das placas tectónicas futebolísticas, para as quais não há ciência ou arte de previsão seguras.
Tudo isto sempre polvilhado pela inevitável hiperbolização associativa, mediática e do comentarismo encartado. Só em 3 semanas deste mês de Agosto, já ouvi e li tudo. No sentido ascensional e no declive negativo. Glorifica-se o momento, transforma-se indutivamente um qualquer instante em regra absoluta, para logo de seguida o que era tão seguro passar a evanescente e passageiro. Ou, ao contrário, reduzir a esperança a pó, criticar tudo e todos, para, num ápice, se atingir o ponto alto da exaltação. Com um jogo (ou até com uma só jogada ou golo), o bestial passa a besta ou esta remonta a bestial. Ou proclamando-se antes, um plantel vasto e com alternativas, a seguir se sentenciar um plantel curto e limitado. Talvez pela idade, vou relativizando tudo isto e nem entro em euforias desmedidas, nem me enfio em depressões inconsequentes. Tudo o que seja «ninguém nos parará», na sua versão maximalista, ou «não temos equipa», numa das versões pós-traumática, não me entra no espírito. Nem o Benfica estava assim tão bom, nem agora está assim tão mau… Perdemos - é certo -  3 pontos (com muita probabilidade de serem 3 pontos e meio, pois a vantagem do FCP no confronto entre as duas equipas é agora mais difícil de superar) que, na verdade, para o nosso directo rival são em módulo de soma 6 pontos (os 3 que perdemos e os 3 que o Porto ganhou). Mas continuo a pensar que este foi apenas um dia mau numa prova longa e que terá surpresas sempre ao virar da esquina.

3O Benfica tem pontos muito bons, mas, atenção, há vertentes que urge consolidar ou acautelar. Uma das quais ficou evidente neste jogo: um plantel tecnicamente muito bem apetrechado, mas bastante vulnerável no confronto estritamente físico. Em gíria popular, faltam-nos matulões que imponham respeito e que completem o fascínio técnico dos artistas. O que vi lá em baixo, no relvado, em partes significativas do jogo, foi o domínio dos matulões do FCP a ganhar sempre as bolas e a superiorizar-se nas alturas. Por outras palavras, uma esquadra completa precisa tanto dos violinistas preciosos, como de músicos de instrumentos de sopro e de percussão. Será caso para, talvez, o Benfica aproveitar a semana de defeso que falta, para contratar algum bom tocador de trombone ou de tambor, ou, em versão de voz, menos tenor e mais barítono.
Já quanto ao seu maestro Bruno Lage, o Benfica está muito bem servido. Como treinador, como condutor de pessoas, como pessoa. E, neste momento do primeiro desaire, é preciso ter bem presente o notável desempenho no campeonato desde que é treinador do clube (95% de vitórias e total sucesso nos 11 jogos fora de casa). Sabemos que cometeu erros neste jogo, sem dúvida. Mas a sua conferência de imprensa depois do jogo foi o contraponto à palidez da exibição no campo: iluminada, sensível, elegante, corajosa, responsável. Confesso que o ouvi na radio, quando, sozinho e desconsolado, regressava ao Alto Alentejo, mas ao escutá-lo senti-me melhor e a viagem foi menos custosa. Por vezes, quando eu falava da personalidade de Bruno Lage, algumas pessoas me questionavam «e como será quando ele perder?», porque - diziam-me -  a elegância e virtuosismo na vitória não é difícil (cá para mim, não é bem assim, há tantos exemplos de mau ganhar…). Eis, nesta derrota difícil de digerir, a resposta do jovem treinador do Benfica. Desportivismo, felicitando o merecido vencedor, não falando de circunstan- cialismos que não dependem dele, como é vulgar com as arbitragens, jamais entrando em euforias patetas, mas também não se deixando cair em absurdos desânimos depois de uma derrota, explicando com serenidade as opções tomadas e os constrangimentos que a equipa não foi capaz de anular, e não diminuindo publicamente qualquer jogador (a resposta sobre Samaris foi soberba). Por tudo isto (e não só) Bruno Lage continua a ser  o homem certo para o Benfica. À medida das plenas exigências e da grandeza do clube.

4Não foi por causa do árbitro da Associação de Futebol do Porto (a nomeação do costume) que o Benfica perdeu. Mas há dois pontos que num juiz internacional tão elogiado são intrigantes. O primeiro, como foi possível Pepe terminar o jogo isento de cartões (por exemplo, aquela entrada a pé bem levantado sobre Vlachodimos)? Como estando Samaris prostrado no relvado, deixou seguir o jogo em ataque do Porto, por duas vezes e só quando a bola foi interceptada por um jogador do Benfica resolveu interromper a partida. Estava à espera de quê?