Messi na cidade olímpica
Paris confia em Messi para chegar ao Olimpo (Champions). E Messi confia em Paris para regressar ao Olimpo. Faz sentido
MESSI despediu-se em lágrimas e o Barcelona, em choque, disse adeus ao melhor futebolista que alguma vez vestiu aquela camisola. Messi não queria sair (ao contrário de há um ano) mas o calamitoso estado financeiro do clube impediu qualquer hipótese de continuação. O dinheiro, ou falta dele, operou o inevitável divórcio. O capitalismo tem destas impiedades. Por muitos anos lembraremos este episódio e outros (Coutinho, Dembelé, Griezmann…) que arruinaram as finanças do segundo maior clube espanhol e privaram a orgulhosa La Liga da única superestrela que lhe restava, depois dos abandonos de Neymar e Cristiano (já para não falar de Sérgio Ramos). O génio argentino nunca mais voltará a ganhar o balúrdio que o Barcelona lhe pagava - um pouco mais de 70 milhões (!!!) por época -, mas continua a haver clubes com capacidade de lhe pagarem sensivelmente metade. O PSG é um deles e chegou-se à frente. E assim Lionel Andrés Messi nos próximos dois anos vai viver e trabalhar na cidade olímpica. «Paris vale bem um Messi», gracejou o L’Equipe em manchete, naturalmente deliciado com o facto de a cidade-Luz vir a acolher, além dos próximos Jogos Olímpicos, um dos maiores futebolistas de todos os tempos.
O homem que queria terminar a carreira em casa (não esquecer que Messi é tão culé como argentino) terá pois de fazer as malas, sair da zona de conforto e procurar a felicidade num clube e numa liga (francesa) de dimensão e notoriedade claramente inferiores às do Barcelona e da Liga espanhola. Mais curioso ainda, o PSG só nominalmente é francês. De facto, é propriedade de um fundo soberano árabe - a Qatar Investment Authority - detido pelo próprio emir daquele país, o Sheik Tamin Bin Hamad Al-Thani. É este senhor que, segundo noticia a Imprensa francesa, vai pagar ao clã Messi um prémio de assinatura de 30 milhões e um contrato até 2023 à razão de 35 milhões/ano. Não é a fortuna estratosférica de Barcelona, mas não está nada mal para um atleta de 34 anos. Allah Akbar, Messi!
Que encontrará Lionel em Paris? Bom. Em primeiro lugar, o compatriota Mauricio Pocchetino, que será o 11.º treinador argentino da sua carreira (depois de Bielsa, Pekerman, Basile, Maradona, Sergio Batista, ‘Tata’ Martino - duas vezes -, Alejandro Sabella, Edgardo Baúza, Sampaoli e Scaloni). Encontrará também dois velhos e estimados companheiros de estrada (Angel Di María e Neymar) e dois colegas de seleção (Mauro Icardi e Leandro Paredes); um futuro Bola de Ouro, o extraordinário Kylian Mbappé); dois rivais dos tempos da La Liga (Sérgio Ramos e Keylor Navas); um guarda-redes italiano campeão europeu (Donnarumma); um possante guarda costas português chamado Danilo Pereira; e um ladino holandês (Gino Wijnaldum) que lhe espetou 4-0 em Anfield na mais célebre de todas as meias-finais da Champions. Digamos que do ponto de vista futebolístico Messi estará muito bem acompanhado. Melhor até do que em Barcelona. Não só pela qualidade do plantel mas também porque o PSG fala a sua linguagem futebolística. Objectivos? Não é o championnat nem a Coupe, que o PSG, com ou sem Messi, ganha com uma perna às costas desde que esteja para aí virado. É a Champions, claro. A Champions que foge ao PSG desde o ano da fundação (1971), a Champions que foge a Messi desde o ano de 2015 - na realidade, o argentino jogou apenas três finais de Champions em 17 épocas na equipa principal do Barça.
Finalista vencido pelo Bayern em Lisboa (2019) e semifinalista na época passada (caiu aos pés do primo árabe Abu Dahbi-City), o PSG está perto de chegar lá e tirar a Paris o incómodo de ser uma das grandes capitais europeias que nunca tiveram um campeão europeu (como Berlim, Roma, Moscovo, Bruxelas, Estocolmo, Copenhaga, Praga, Viena, Budapeste, Atenas, Istanbul…). A conquista da orelhuda continua a ser o desígnio supremo do Sheik Al-Thani e de Nasser Al-Khelaifi, presidente do clube, desde que o primeiro comprou o PSG em 2011. Dez anos, nove tentativas falhadas e 1,378 milhões euros depois (Ibrahimovic, Beckham, Thiago Silva, Cavani, Marquinhos, David Luiz, Di María, Neymar, Mbappé, Dani Alves, Buffon, Keylor, Icardi, Ramos, Donnarumma, Wijnaldum, etc, etc…), Paris confia em Messi para chegar ao Olimpo. E Messi confia em Paris para regressar ao Olimpo. Faz todo o sentido.
No papel.
NARRATIVAS INDIVIDUAIS
QUATRO medalhas, 11 diplomas (classificações entre o 4.º e o 8.º lugar) e 35 classificações acima do 16.º lugar: o melhor desempenho de uma comitiva portuguesa em 25 participações nos Jogos Olímpicos de verão. Terminámos no 56.º lugar do ranking geral (30.º entre os europeus, à frente da Estónia, Letónia, São Marino, Lituânia, Macedónia do Norte, Finlândia e Moldávia…) e toda a gente bateu palmas às medalhas (às sacrossantas medalhas, sem as quais parece que passamos automaticamente a ser um país terceiro mundista…). O Presidente agradeceu, o primeiro-ministro agradeceu e por quinze dias, como acontece por esta altura de quatro em quatro anos, Portugal pareceu o que não é nem nunca foi: um País de Desporto interessado em Desporto. Pelo que nos diz respeito, agradecemos os resultados aos atletas, treinadores, familiares de ambos, clubes e demais patrocinadores (que muitas vezes são uma e a mesma coisa: paitrocinadores). Sem eles nada disto seria possível, já que os êxitos olímpicos, no nosso caso, são na esmagadora maioria das vezes narrativas escritas, sustentadas e desempenhadas pelos senhores atrás citados. Narrativas individuais, não consequência de um desígnio coletivo promovido, incentivado e em grande parte suportado pelo Estado, como acontece nos EUA, na Grã Bretanha, na França, na Austrália, na Hungria, na Holanda e noutros países em que o Desporto é um assunto levado a sério.
Não vamos lembrar evidências como a chocante falta de investimento no desporto escolar (o alimento físico) nem a verba esquálida que o Orçamento Geral de Estado, regra geral, dispensa à Cultura (o alimento espiritual) em Portugal. Apenas vamos enquadrar de forma diferente as nossas medalhas em Tóquio, comparando-as com as de países europeus do nosso campeonato, quer dizer, aqueles que têm superfícies e populações idênticas à nossa e um historial desportivo minimamente relevante. Vejam então os desempenhos comparados e, já agora, os históricos globais. Peço que olhem com especial atenção os números da Hungria, que é o país europeu mais parecido connosco em termos de área/população.
Viram? Pois é. Tornamos a falar dentro de três anos. Depois de Paris.