Massada da Champions e maçada da Liga Europa
1 O dinheiro, só por si, ainda não erradicou a contingência de resultados surpreendentes no futebol. A semana passada foi fértil em desfechos inesperados nas provas europeias. Na Liga dos Campeões, o Ajax de jovens promessas humilhou o Real Madrid dos milhões. A equipa holandesa - a mais notável escola de formação - é, aliás, a que melhor traduz uma hipotética ‘teoria de ciclos’ no futebol. A seguir a um período resplandecente e vitorioso vem sempre um outro de sangria dos melhores jogadores com o consequente apagamento e vice-versa. Em Madrid estiveram em campo dois expoentes, direi opostos: o do Ajax, que forma talentos e os ‘exporta’ para clubes ricos e o Real Madrid que vive sobretudo da ‘importação’ de craques pagos a peso de ouro. O que se viu na capital espanhola foi o esplendor de onze rapazes que jogaram sem vícios adquiridos, na fruição plena da alegria de jogar, e, ao invés, foi flagrante o conformismo de jogadores cansados de ganhar, jogando burocraticamente à espera que os ‘súbditos’ se ajoelhem perante suas excelências. É claro que tal diferença é, de seguida, capturada pela força do dinheiro que compra, sem limitações, o génio e o talento, embora nem sempre adquira a alma e a genuinidade.
O modo como está estruturado o futebol europeu, as regras que o determinam, os poderes estabelecidos fazem o resto. A Champions está feita para reproduzir, consecutivamente, a vitória dos mesmos poderosos. Só admite - tal como a regra - a excepção, como que para nos dizer que é ‘democrática’. Por isso, tolera que nos quartos-de-final haja um ou outro intruso. De ora em vez, lá aparece um clube português (este ano, com mérito, o FC Porto), holandês, turco ou ucraniano. Nesta segunda década do século, só o Shakhtar, o Galatasaray, o Benfica e o Porto (que este ano repete) e o referido Ajax. Já a Liga Europa é uma prova manifestamente secundária, sobretudo na injusta e exagerada diferença de recursos financeiros postos à sua disposição face à Champions. A Liga Europa está para a Champions, tal qual a Taça da Liga está para o nosso campeonato. Entretém o futebol menor e engalana-se apenas nas meias-finais e final. É uma espécie de prémio de consolação para os clubes que podendo, em tese, estar na disputa da Liga dos Campeões, caíram para esta prova, pelo que a UEFA lhes dá a oportunidade de a poderem vencer. Foi o caso, por exemplo, do Atlético de Madrid no ano passado, ou é a possibilidade este ano dos desencantados Arsenal, Chelsea e Nápoles a vencerem. Apesar de alguns esforços feitos há uns anos, as competições europeias servem para reproduzir e mesmo ampliar o fosso entre países e entre clubes. E basta fazer uma conta: uma equipa que passe aos quartos-de-final da Liga dos Campeões recebe só por esse facto (10,5 M euros) quase o dobro do que ganha um clube que vença a Liga Europa (6,5 M euros)!
2 Quando comecei a ver o Dínamo de Zagreb-Benfica, na passada quinta-feira, confesso que a principal preocupação que me acompanhou foi a de eventuais lesões dos mais decisivos jogadores encarnados. Evidentemente que, nem a feijões, gosto que o meu Benfica perca. Todavia, fico sempre hesitante entre passar eliminatórias ou concentrar as forças para o que é mais determinante: o título nacional. Aliás, outra característica da Liga Europa - não justificável - é a de haver mais uma eliminatória quando comparada com a prova máxima da UEFA. A partir de Fevereiro, chegar à final da Liga Europa significa jogar de 3 ou 4 em 3 ou 4 dias até quase ao final de Maio, o que, muitas vezes, é o caminho directo para abandonar competições nacionais. A não ser que o título já esteja determinado (é o caso da equipa croata que sempre o conquista e está, como de costume, com fartos pontos de avanço) e o clube se possa dar ao luxo de jogar com a ‘equipa B’ no plano doméstico e com a ‘equipa A’ na ribalta europeia.
Escrevo este texto antes do jogo (de ontem) contra o Belenenses SAD, na natural expectativa de mais uma vitória do Benfica. Setenta e duas horas depois, voltará o Dínamo de Zagreb e sessenta e oito horas após, um jogo com grau de dificuldade relativamente elevado em Moreira de Cónegos. A Liga Europa tem também essa coisa detestável de jogos às quintas-feiras à noite, o que leva a haver encontros para o campeonato em excêntricas segundas-feiras e depois de todas as outras equipas já terem jogado.
Apesar da derrota (merecida) na capital croata e da lesão de Seferovic, um ponto deve ser considerado para ‘memória futura’ nesta época: qualquer relaxamento ou menor enfoque pode ser danoso. Depois da vitória contra o FC Porto, fora de casa, toda a concentração é necessária para os jogos da nossa Liga.
Em Zagreb, no onze inicial, e numa equipa acentuadamente jovem (22,7 anos de média e nenhum trintão), jogaram apenas 3 jogadores titulares do início da época: Vlachodimos, Rúben Dias e Grimaldo. Os restantes, ou jogavam na equipa B, ou nos juniores, ou eram muito pouco utilizados, ou estavam para ser dispensados, ou estavam ainda em longa recuperação (Krovinovic). Acho que o treinador fez bem, com o senão de insistir sempre na dupla João Félix/Seferovic, para cujos lugares não abundam as alternativas. E foi aqui que o azar bateu mesmo à porta: a lesão do ponta-de-lança suíço e líder dos marcadores, num momento crucial do campeonato. Aqui chegado, manifesto a minha estranheza pelo facto de Ferreyra ter sido emprestado e andar lá para as bandas do modesto Espanhol. Bem sei que Bruno Lage disse que tem cinco atacantes. É verdade, mas pontas-de-lança só há Seferovic e meio Jonas, dada a sua quase permanente condição física precária. E dificilmente se descobre, para tal tarefa, qualquer surpresa talentosa à mão de jogar, na equipa B.
3 A fazer fé na catadupa de notícias e na repescagem constante de comentários e de ‘mais transferências’, os jogadores do Benfica estão todos à beira de sair. A começar pelos talentosos João Félix e Rúben Dias, ou pelos promissores Ferro, Florentino e Gedson, ou ainda e sempre pelo veterano Jonas, pelo magnífico Grimaldo, pelo polivalente André Almeida, pelo recuperado Samaris ou pelo adiado Zivkovic, etc. É um ver se te avias, milhões para aqui, milhões para ali, a ver quem dá mais. Todos os clubes tubarões ‘perguntam’ (é assim que se diz, não é?) pelo jogador A, B ou C, com os respectivos empresários sempre atentos ao que podem vir a ganhar (ou a perder) de comissões e ‘custos associados a transferências’ (também é assim que se diz, não é?).
Estou cansado deste ‘não-mercado’ entre mercados (o de Verão e o de Inverno). Não há sossego possível, com a UEFA a nada fazer contra estes assédios ilegítimos por parte dos endinheirados e que deixam qualquer jovem em turbilhão.
Bem sei que o que tem de acontecer, mais tarde ou mais cedo, vai acontecer. Os talentos da formação do Benfica sairão um dia, com retorno financeiro irrecusável. Mas importa ‘blindar’ as suas cabeças enquanto cá estão. E a história tem sempre registado que saídas precoces (de jogador e de homem) raramente são benéficas. Tirando o incomparável caso de Cristiano Ronaldo (que, em parte significativa, beneficiou do acolhimento paternal do mestre Alex Ferguson) e Bernardo Silva (que se vê que tem cabeça segura), constatam-se desilusões totais ou decepções parciais. Que o diga Renato Sanches que saiu para a racionalmente fria Baviera antes do tempo. Pois bom seria, na minha opinião, que os jovens do Benfica - em especial João Félix - não tenham a pressa do tempo antes do tempo certo. Têm uma longa carreira à frente e só têm a beneficiar permanecendo o tempo necessário para a maturação etária e profissional num clube como o Benfica, que lhes dá plenas condições de progressão.