Luzes, epifanias, traumas

OPINIÃO06.02.201900:18

A luz que surgiu a Luís Filipe Vieira na madrugada do dia do primeiro despedimento de Rui Vitória (após a equipa sofrer aquela goleada em Munique) não se revelou grande epifania. Vieira repensou a decisão tomada e anunciou-a do púlpito com convicção quase religiosa. Mas, apesar da sequência de vitórias esquálidas e quase sempre em agonia, o Benfica continuou a jogar mal; acentuando Vitória a teimosia que já vinha de trás. A epifania que mais tarde guiou Vieira ao segundo despedimento do apóstolo Vitória - este, consumado - não lhe proporcionou a solução desejada porque nem sempre são claros os desígnios e os timings do eleito. O caminho apontava para Jesus, mas a verdade - a solução possível - estava escrita nas pedras da casa - na Lage. E foi pela mão de um humilde servidor que ninguém imaginava capaz de ser pastor de tão valioso rebanho que se fez finalmente luz na casa do Benfica. Veio Lage e com ele a força, o acerto e a inspiração perdida nos meses de escuridão. Houve quem renascesse como Lázaro, mas também quem perdesse espaço e minguasse porque foi essa a vontade do senhor… Lage. Vieira pode enfim respirar ao fim de dois anos a decidir mal e a enfrentar revelações perturbantes e noticias incómodas. Neste momento, em cima da esplendorosa vitória em Alvalade, deve estar a sentir o que Pinto da Costa sentiu ao fim dos primeiros jogos de José Mourinho ou de André Villas Boas. O Benfica, qual Félix renascida, cresce a olhos vistos e Vieira volta a sonhar com a terra prometida. Não deverá voltar a dizer nos tempos mais próximos «ainda vão ter muitas saudades de Rui Vitória» porque Bruno Lage, incensado pelos media (o novo Mourinho?), está a mostrar ao benfiquismo que tem condições para ser mais que uma solução interina. Precisamente no momento em que Jesus, o desejado de Vieira, se liberta das Arábias. Realmente, um enredo bíblico !!!!


No futebol as coisas mudam muito depressa…


Frederico Varandas também viu uma luz em Keizer, outro pastor desconhecido (e com poucas credenciais, diga-se) que chegou a parecer uma luminária nos primeiros tempos de golos e abastança (o nosso Santos Neves não enganou ele, diga-se…). Mas os treinadores portugueses, que taticamente são do mais «ratola» que há, como disse com muita graça o nosso Vítor Manuel n’ A  BOLA TV, passada a surpresa inicial encarregaram-se de neutralizar rapidamente a entusiasmante construção do Sporting e a própria crença do professor Marcel nas virtualidades de um 4x3x3 em modo holandês (pra frente é que é o caminho). Uma ideia de jogo que pode fazer algum sentido na Eredivisie, que se disputa em regime de bar aberto (veja-se como o próprio Ajax sofre dez golos em dois jogos seguidos do campeonato - 4-4 com o Hereenveen e 2-6 com o Feyenoord  - e ninguém acha isso o fim do mundo), mas em Portugal não faz de certeza, com tanto especialista em bloco baixo e neutralização. A dura realidade impôs-se (Guimarães e Tondela foram os primeiros…) e deixou o professor Marcel indeciso sobre o rumo a seguir. E, a julgar pelas imagens televisivas do último dérbi, o homem continua sem saber o que fazer. E o que dizer. O dérbi de hoje é encarado com muita apreensão pelos sportinguistas, que ficaram chocados pela diferença de qualidade das duas equipas no último domingo (uma semana depois de verem a equipa ganhar uma final ao FC Porto!), mas esse banho de realidade pode ajudar Varandas a restabelecer prioridades e afinar o discurso alegremente iniciado (bola para a frente, pá!) por Sousa Cintra. Começando talvez pelo óbvio. Clube que sofre o terramoto institucional, desportivo  e financeiro que o Sporting sofreu no defeso passado - com perdas de ativos importantes como Rui Patrício, William, Gelson, Podence e, sobretudo, Rafael Leão (veremos onde este menino vai chegar) - não pode encarar esta época como uma época normal de objetivos normais - mas de transição, rearrumação e preparação do futuro (superação do trauma, pronto). Bem sei que um grande nunca pode dar parte de fraco, mas já há muita gente no próprio Sporting a reconhecer que o discurso devia ter começado por aí.