Louco por futebol no Tirol
No momento em que escrevo este texto estou a olhar pela janela para uma bisarma calcária com 2,718 metros de altura. É o Spitzkofel, um pico montanhoso das Dolomitas que parece erguer-se na vertical acima do estádio onde se encontra a estagiar o Al-Hilal de Jorge Jesus. Tem sido este o nosso cenário de trabalho nos últimos dias. Estamos em Lienz, encantadora cidadezinha medieval no Tirol. Sempre tive um fascínio pela Natureza pura e dura - quais campos com florinhas ou prados ondulantes!, isso é bom para a Heidi e para o avô dela. Interessa-me é o mar em fúria (na Ericeira, passei horas perdidas a fotografar as ondas das marés vivas a esmigalharem-se nas furnas), furacões (já apanhei um em Moçambique), cheias (vivi in loco as monstruosas cheias do Tejo em 1979) e montanhas a perder de vista. Como estas que enquadram Lienz: paredes que se elevam na vertical sem aviso nem redondezas. Aguçadas como o discurso de Jesus. Num destes últimos dias, por sugestão do meu bem humorado companheiro de reportagem Rodrigo Santos, fizemos um direto para A BOLA TV a 2,400 metros de altitude (quais Serra da Estrela!) num spot [onde encontrámos metade da pata de um gamo] que ficava à beirinha de um precipício. Sim, teria sido um momento dramático de televisão. Mas ainda cá estamos. A acompanhar o Jorge Jesus de sempre: um bulímico do futebol que parece ter reencontrado no Al -Hilal a alegria perdida no Sporting - quer dizer: na penosa reta final no Sporting.
Se dúvidas houvesse, perdi-as a observar a energia insana deste homem nas sessões de treino no Dolomiten Stadion. Mesmo privado de todos os internacionais do Al-Hilal (que só chegam amanhã à noite), Jesus tem passado os dias a ensinar os miúdos do Al-Hilal (da equipa b, muitos nem vão contar….) com uma energia contagiante: ele corre, ele grita, ele exemplifica, ele corrige, ele manda repetir, ele barafusta, ele vocifera, ele aplaude, ele desdobra-se pelo relvado numa cacofonia vertiginosa de ordens em português e inglês prontamente traduzidas por Ahmed Moussa, o saudita com pai belga e mãe eritreia que se transformou numa espécie de duplo do treinador português (nunca me esqueço de como começou Mourinho…). Enfim, temos visto Jesus. Um homem louco por futebol que sente, aos 63 anos, um prazer extraordinário a ensinar «aquilo que não vem nos livros» (como ele costuma dizer). Pois, pensará o leitor, «a ganhar sete milhões por ano, só tem mesmo é de dar o litro». Errado. Isto não é uma questão de dinheiro. É outra coisa. Paixão. Brio pessoal. Vocação. E desassombro - como verão na entrevista que acaba de conceder à A BOLA TV e A BOLA.