Liverpool ao fundo
Há um ano era a melhor equipa do mundo. Agora soma seis derrotas seguidas em casa (!) e Klopp não consegue reagir. Um colapso difícil de compreender
POR mais que tente, não consigo perceber as razões do gigantesco colapso do Liverpool que, como se lembram, era até há bem pouco tempo a melhor equipa do mundo. No domingo passado assisti pela TV, em penoso silêncio (começa a ser hábito), à sexta derrota consecutiva dos reds em casa: desta vez com o Fulham (0-1). Antes tinha perdido com o Chelsea (0-1), com o Everton (0-2), com o Man. City (1-4), com o Brighton (0-1) e com o Burnley (0-1). Seis desaires seguidos (a que se somam mais dois empates) na pior sequência do clube em 129 anos de história. O último a perder diante do kop vazio foi o Tottenham de Mourinho, há quase dois meses - uma eternidade. Lembro que Anfield era, até há bem pouco tempo, a fortaleza mais inviolável da Premier League: até o Burnley descobrir o segredo, a 21 janeiro, Jurgen Klopp somava 68 jogos e quase quatro anos sem perder no templo onde o inesquecível Kenny Dalglish tem o seu nome gravado numa bancada (no domingo lá estava ele, muito angustiado, a gesticular, a sofrer...).
É claro que a terrível e continuada onda de lesões que tem afetado o ainda campeão inglês explica muita coisa… mas não justifica um afundanço desta dimensão. Desde que o Liverpool ficou sem os três centrais, todos vítimas de lesões longas (Van Dijk, Joe Gomez e Joel Matip só voltam na próxima época), é um facto que nunca mais se encontrou. Sobretudo por causa da falta que o boss Van Dijk faz: ele não é só o líder da organização defensiva, mas também o homem que verdadeiramente empurra - catapulta! - a equipa para a frente. Por alguma razão o holandês é considerado o melhor central do mundo. Privada do seu líder natural, a defesa vive dias de aflição que parecem não ter fim. É que nem as adaptações convenceram (Fabinho, Henderson, até Milner…), nem os substitutos têm dado conta do recado (Ozan Kabak, Ben Davies, Nat Philips…). A consequência? Uma espiral negativa que transformou um guarda-redes habitualmente sóbrio e focado como Allison Becker numa pilha de nervos.
As longas ausências na enfermaria de Thiago Alcântara e de Diogo Jota (que estava a fazer uma carreira fulgurante!) também não ajudaram, assim como as baixas de Alexander-Arnold, Andrew Robertson, Oxlade-Chamberlain, Henderson e Roberto Firmino. Dos craques, só Salah e Mané se safaram à terrível praga - até ver. Mesmo assim, faz confusão ver como uma equipa que competia com uma dinâmica, intensidade e confiança incríveis soçobrou a este ponto. A quebra começou por ser futebolística (compreensível, quando se perdem várias referências de enfiada), mas agora trata-se de um verdadeiro colapso. Sobretudo anímico, pelo que tenho visto. Os jogadores do Liverpool perderam a confiança, a autoridade e o mojo que os tornava praticamente invencíveis. Por estes dias entram em campo tensos e acabrunhados, como se pressentissem que, por mais que tentem, não vão conseguir dar à volta à maré. Se o karma é péssimo, deve dizer-se que nem o líder parece capaz de estancar a depressão. Jurgen Klopp era um treinador expansivo e vibrante. Agora parece uma estátua. Não reage. Não interage. O olhar dele faiscava. Agora é vazio e melancólico.
A pergunta é óbvia: até quando? Até onde pode o Liverpool descer? Por este caminho, nem na próxima Liga Europa estará! É claro que já houve episódios deste género noutras grandes equipas europeias - lembro o impressionante calvário do Real Madrid galáctico de Carlos Queiroz e José Peseiro (havia Figo, Zidane, Ronaldo Nazário, Beckham, Raúl González, Roberto Carlos, Iker Casillas…) na parte final da temporada de 2003/2004 - perdeu a final da Taça do Rei em finais de março, foi eliminado da Champions pelo Mónaco (!) em abril… e acabou a liga no 4.º lugar depois de sofrer cinco derrotas nos últimos cinco jogos (!!!)… - mas não deixa de ser chocante a rapidez com que o Titanic de Jurgen Klopp foi ao fundo logo depois de ter alcançado o pico do Evereste. Uma lição de vida.
Hoje, para a Champions, o RB Leipzig de Julian Nagelsmann tentará ser a sétima equipa seguida a ganhar em Anfield. Tem de marcar três golos (perdeu 0-2 na 1.ª mão) para eliminar o Liverpool. Se Nagelsmann prestou atenção ao que o Fulham fez no domingo, sabe qual é o caminho. Basta marcar primeiro…
Laporta: estado de otimismo (?)
OBarcelona é outro gigante europeu em crise apesar de os últimos resultados terem reacendido alguma esperança: a qualificação para a final da Taça do Rei após mais uma fantástica reviravolta e a aproximação significativa ao Atlético (que continua a dar guarida ao futebol soporífero-paleolítico de Simeone) tornam possível a salvação de uma época que parecia condenada ao fracasso. A eleição (pela segunda vez) do presidente Joan Laporta mexeu com o clube e o novo presidente aproveitou o élan para decretar aquilo que a imprensa catalã traduz por «estado de otimismo». Otimismo possível, digo eu, porque um clube que tem uma dívida de curto prazo de 760 milhões (Ajax, Liverpool e SC Braga entre os credores), uma folha de pagamentos insustentável alavancada pelo estipêndio faraónico de Messi e um estádio velho de 64 anos a gritar por reforma enquanto o rival de Madrid ultima o sumptuoso novo Bernabéu não pode olhar o futuro próximo sem um nó na garganta. Sem esquecer que há uma clivagem da massa adepta relativamente ao posicionamento institucional do clube face à magna questão da independência catalã e que os sobreviventes mais emblemáticos da era dourada (Messi, Piqué, Busquets…) aproximam-se do final da carreira, não sendo certa a continuidade de Messi. Talvez fique. Talvez parta. Sendo certo que, sem Messi, o Barcelona passará por um mau bocado antes de reencontrar o caminho - veja-se o que tem sido a vida do Real Madrid no pós-Cristiano. Mas, tal como o Liverpool de Klopp foi ao teto do mundo antes de fazer a viagem inversa rumo à fossa das Marianas, talvez Laporta, um empresário enérgico, persuasivo e bem relacionado, tenha artes de convencer um punhado de multinacionais credíveis e uns quantos investidores árabes e chineses a financiarem a reestruturação de que o Barcelona tanto precisa. Com Messi será sempre mais fácil, mas entretanto os adeptos que se preparem para ver o Barça ser mais uma vez eliminado da Champions. Mais logo, em Paris…