Lage, até o leão do Marquês aplaudiu…
Bruno Lage tem revelado uma enorme capacidade para aproveitar as oportunidades que a vida lhe dá. A 18 jornadas do fim, quando o Benfica estava em quarto lugar, a sete pontos do líder, e tinha uma segunda volta de meter medo ao susto, aceitou pegar na equipa e, 17 vitórias e um empate depois, estava no Marquês a celebrar o 37 perante uma plateia de meio milhão de almas, a que se juntavam outras mais, muitas mais, pela televisão. Aí, na noite da consagração, Bruno Lage voltou a agarrar com as duas mãos a oportunidade e enviou, naquele estilo despretensioso e desprendido, que é simples sem ser simplório, a mensagem que o país, desportivo e não só, precisava de ouvir.
O treinador do Benfica, pelos vistos adepto da ideia de Arrigo Sacchi de que «o futebol é a coisa mais importante das coisas menos importantes», começou por lembrar que tudo deve estar em perspetiva, e que faz falta, em todas as áreas da sociedade, uma militância cívica mais ativa e interveniente. E passou, a seguir, para uma ideia que pode mudar mentalidades, exortando os adeptos benfiquistas a darem valor ao que os adversários fazem, única forma de verem reconhecidos os méritos próprios. Bruno Lage, ao escolher fazer pedagogia junto dos 500 mil adeptos do futebol que tinha à frente, do Marquês à Fontes Pereira de Melo e à Avenida da Liberdade, e a todos os outros que, pelas televisões, rádios e jornais, tomaram contacto com a mensagem, merece o nosso respeito, pela coragem de não dizer o óbvio e procurar transformar, quem o ouvia, em pessoas melhores.
O futebol português deixou-se arder, até chegar a esta terra queimada civilizacional, por culpa de líderes que se limitaram a capitalizar o que há de pior em cada um, forjando criaturas que começam a fugir ao controlo do criador. A mensagem de Lage vai em sentido inverso: pertencer ao futebol, amar o jogo, vibrar com os clubes não pode ser sinónimo de ódio e de intolerância. Os adversários são para respeitar e reconhecer mérito, os rivais devem ser fatores de motivação e crescimento e não faz sentido que haja inimigos no Desporto.
As feridas provocadas por anos a fio de guerras insanas entre os clubes vão levar ainda muito tempo a sarar. Mas é preciso começar por algum lado e a proposta de Lage, na noite de consagração no Marquês de Pombal, parece ser um ótimo ponto de partida.