Jogo de título!

OPINIÃO07.02.202003:00

É o FC Porto-Benfica de amanhã à noite o jogo do título? É, claro que é! Nesse sentido, não é - ao contrário do que gostam de anunciar os treinadores - um jogo de apenas três pontos. Vale muito mais do que isso. Vejamos: se o Benfica vencer, parece unânime que pode encomendar as faixas de campeão - neste caso, de bicampeão! Se o FC Porto ganhar, mudará completamente o cenário do campeonato, reabre completamente a discussão do título e pressionará tanto o Benfica que muito dificilmente não obrigará a águia a escorregar. Não esquecer que logo a seguir ao Porto, o Benfica receberá esse renovado, ambicioso e ganhador SC Braga!

Dir-se-á que o FC Porto-Benfica só decide o título se o Benfica vencer. Sim, será essa a convicção generalizada, porque saindo do Dragão com dez pontos de vantagem, passará o Benfica a dispor de margem suficientemente gorda para não mais deixar fugir o primeiro lugar.

Mas por qualquer razão que só a história do futebol conhece, julgo que será igualmente de considerar muito, se for o FC Porto o vencedor, a fortíssima possibilidade de a vida do Benfica poder ficar emocionalmente tão complicada que até o título deixe de ser uma inevitabilidade para passar a ser hipótese bem mais remota. Se é que me faço entender.

É verdade que mesmo a vitória do FC Porto deixará a equipa de Sérgio Conceição a quatro pontos do líder Benfica, que continuará líder aconteça o que acontecer. Pois é.

Mas ninguém ousará negar que vencer este clássico representará uma afirmação tal de força e poder que dificilmente não levará ao tapete o derrotado, numa espécie de KO mais ou menos demolidor, consoante o derrotado seja, evidentemente, o FC Porto ou o Benfica.

Absolutamente demolidor, se o derrotado for o FC Porto.

Perigosamente desestabilizador, se o derrotado for o Benfica.

Se der empate, será, como no boxe, igualmente uma espécie de vitória do Benfica, não por KO, mas por pontos. E definirá na mesma, creio, a questão, por fim, do título.

NESTE combate sem tréguas, o que poderemos esperar de um FC Porto-Benfica onde se joga o título?

Diz-nos, em primeiro lugar, a história que poderemos esperar superioridade do FC Porto, uma equipa tradicionalmente determinada a dar tudo por tudo neste tipo me confrontos, e ainda mais quando se trata de impedir a repetição do que sucedeu em 2019 - está a fazer mais ou menos um ano -, quando a surpreendente vitória do Benfica deu à águia praticamente o empurrão final para um inesperado e sensacional título de campeão.

Diz-nos também a história que neste combate de amanhã poderemos esperar um Benfica na expectativa e um FC Porto a querer dominar e mandar no jogo.

É o que sabemos que costuma acontecer, porque ao longo do anos raramente o Benfica conseguiu no campo do FC Porto o que o FC Porto várias vezes tem conseguido no campo do Benfica, que é ser superior e ganhar.

Por incrível que pareça, os últimos cinco anos maquilham muito essa história, e se é verdade que a águia apenas venceu por uma vez o dragão na Luz, também é verdade que apenas perdeu por uma vez no Porto e lá somou, entretanto, duas vitórias, contrariando profundamente o que a história tem escrito.

Mas se contabilizarmos os últimos dez anos, e os respetivos vinte confrontos que se jogaram entre os dois (no Dragão e na Luz), então a superioridade portista manifesta-se de forma clara, mais de acordo, aliás, com o que tem sido, por exemplo, a esmagadora supremacia do FC Porto na própria casa: nos últimos vinte confrontos, somando jogos no Dragão e na Luz, recordo, dez vitórias, pois, dos azuis e brancos contra quatro dos encarnados. E seis empates!

A história conta pouco? Parece-me que não.

Claro que no futebol, como na vida, estaremos sempre a tempo de mudar a história, ou pelo menos de lhe alterar o rumo ou, por momentos apenas, de a tornar diferente. Foi isso que o Benfica fez no campeonato passado quando, contra muitas das expectativas, foi capaz de fazer no Dragão o que habitualmente não conseguia, que era vencer um jogo decisivo, um daqueles jogos do título como será este de amanhã.

BEM sabemos como a história, também no futebol, costuma pesar, porque é a história que dimensiona as equipas e a sua grandeza, é a história, e são as vitórias e a superioridade acumulada, que costumam construir a personalidade das equipas e lhes dão o espírito, o caráter e a coragem com que acabam por ir fazendo a história.

Bem sabemos como são naturalmente imprevisíveis as circunstâncias de qualquer jogo e todos sabemos como é tremendamente aleatório o curso de um jogo, que tem agora árbitro de campo e árbitro de vídeo ainda com consequências muito controversas, um jogo, dizia, que ainda por cima contraria a própria natureza humana, que nos leva a dominar muito melhor com as mãos o que o futebol nos obriga a fazer com os pés.

Além disso, jogando-se com os pés, também sabemos como o futebol está todo na cabeça dos jogadores, e por isso, cada jogo dependerá sempre muito de fatores como a confiança, o controlo emocional, a determinação, o espírito de conquista, a coragem e a disponibilidade mental e física para um compromisso mais forte e intenso com o jogo - e com a responsabilidade do jogo... -  e com os companheiros de equipa, porque é, ou devia ser, de um verdadeiro jogo de equipa que se trata, embora algumas vezes também destinado a ser decidido pelo talento de um só jogador.

APESAR de toda essa imprevisibilidade, é o futebol  um jogo e como tal admite, evidentemente, que se definam cenários e se especule sobre o que pode (ou não) acontecer num determinado momento, e mais ainda quando o jogo é um FC Porto-Benfica ou Benfica-FC Porto, principais adversários, e únicos, na discussão do título de campeão do futebol português desde há muitos anos, independentemente de quem está mais por cima (agora o Benfica, com cinco títulos nos últimos seis anos) ou mais por baixo (agora o FC Porto, apenas uma vez campeão desde 2014). Impõe a ocasião, por isso mesmo, que procuremos prever que FC Porto e que Benfica poderemos esperar que se apresentem no Estádio do Dragão, para este jogo do título de 2020.

Tem sido o Benfica de Bruno Lage uma equipa realmente avassaladora do ponto de vista dos resultados no campeonato, mas também sabemos como tem sido uma equipa que mais vezes ganha sem jogar muito e bom futebol, e muito menos vezes tem vencido a jogar o que pode e deve considerar-se realmente bem.

Por outro lado, mesmo sabendo que o FC Porto tem enfrentado dificuldades anímicas que resultam muito mais da instabilidade dos resultados, também sabemos como continua este FC Porto, mesmo ainda sem a reconstrução consolidada, a ser equipa capaz de impor organização e capacidade competitiva suficientes para fazer o que fez, por exemplo, no jogo da primeira volta, na Luz, onde venceu de forma clara e absolutamente merecedora.

Além disso, mesmo sabendo que nem sempre o que parece é, o que realmente não deixa de parecer é estarmos diante de um FC Porto francamente ferido no orgulho e de um Benfica porventura a desfrutar de um certo rei na barriga por via da aparente facilidade com que dentro de portas vai ultrapassando adversário atrás de adversário.

Pelo que ultimamente se viu, foi isso mesmo que pareceu.

O FC Porto a dar, por exemplo, em Setúbal a imagem de uma equipa revoltada por não ter conseguido vencer para a Liga, como devia e seria natural, o SC Braga em casa - acabando por perder, e por somar o comprometedor atraso de 7 pontos para o 1.º lugar, após aquele inacreditável, e quase inédito, desperdício de duas grandes penalidades…

E o Benfica, talvez deslumbrado pela vantagem, a parecer jogar de saltos altos, sem um futebol consistente e atraente, incapaz até, no chamado jogo jogado, de dominar realmente a maioria dos adversários - nos últimos quatro jogos, mesmo ganhando, creio que só mandou mesmo no jogo em Paços de Ferreira - e deixando, muitas vezes, preocupante imagem de equipa displicente, que em muitos jogos executa visivelmente tão mal vezes demais para uma equipa com as responsabilidades e a exigência do Benfica. Ou seja, se for o Benfica inconstante dos últimos encontros, aparentemente menos sólido, menos dominador e menos organizado como equipa, muitíssima dificuldade terá certamente de sair vitorioso do Dragão.

E se, por outro lado, for o FC Porto orgulhosamente ferido de Setúbal, e tradicionalmente mais determinado, comprometido e competitivamente empenhado a deixar a pele em campo, muitíssima mais probabilidade terá certamente de impedir o Benfica de cantar de galo no regresso a Lisboa.

Veremos se o Benfica conseguirá assumir por inteiro a responsabilidade do jogo, e veremos se o FC Porto conseguirá afastar definitivamente todas as sombras dos seus últimos pecados. Em todo o caso, veremos, creio, um jogo de título!