João Félix escolheu mal
Aos 22 anos e na terceira época no Atl. Madrid, o português já deverá saber o que é melhor para ele: ficar na mesma não parece ser a solução
PORQUE o golo é a ambição máxima do futebol, quem os marca em maior quantidade puxa para si o protagonismo. Mais: quando analisamos determinado jogador, temos a tendência para nos focarmos mais na característica goleadora e menos em aspetos teoricamente menos relevantes. Vemos isso com Cristiano Ronaldo: porque é uma fábrica humana de remates bem sucedidos, focamo-nos muito menos, por exemplo, na extraordinária precisão de passe - não tenho dúvidas de que, se ele quisesse, podia ainda ser um excelente médio. Tem, ainda assim, o mérito de atrair as boas energias e possuir uma gravitas que fazem dele um líder natural e respeitado, o que nos transporta para a tal faceta não goleadora - não será por acaso que os donos do Manchester United lhe estejam a pedir a opinião sobre a continuidade, ou não, de Solskjaer.
Além das óbvias diferenças no estilo de jogo, o grande fosso que sempre separou Ronaldo de Lionel Messi foi a personalidade. Enquanto o português sempre pediu para ele o protagonismo e o comando das operações, o argentino foi forçado a liderar mesmo quando lhe apetecia permanecer na retaguarda. Se dúvidas ainda houvesse, Messi tirou-as na recente entrevista ao jornal catalão Sport, quando questionado sobre o que poderia fazer no Barcelona depois de pendurar as chuteiras: «Gostava de ser secretário técnico.» Comparando, seria o mesmo que vermos Lewis Hamilton largar o volante da Mercedes na Fórmula 1 e passar para a equipa de mecânicos. E quando Ronaldo tiver de ser confrontado com o papel a desempenhar num clube no futuro (quem sabe o Sporting...) também não ficaremos surpreendidos se a ambição dele estiver muito próxima do... máximo proprietário, delegando noutros os cargos executivos do dia a dia, inclusive a presidência.
Ofutebol corre pelas vidas dos jogadores a uma velocidade mil vezes superior à capacidade de resolução. Há, nos futebolistas, uma ideia clara de que cada ano perdido é uma eternidade e este conceito ainda muito enraizado de que a carreira de atleta de topo é muito curta (embora a ciência esteja a provar que a longevidade é agora maior) leva a decisões pouco maturadas, com o fator financeiro a pesar mais que o desportivo. Penso nisso quando olho para João Félix no Atlético Madrid: acabado de fazer 22 anos e na terceira temporada ao serviço dos colchoneros, o avançado português já estará na posse de todos os elementos para fazer uma reflexão sobre a escolha que fez em 2019, acabado de se sagrar campeão nacional pelo Benfica. Acredito que enquanto estiver no clube nunca dirá abertamente que não está bem, mas não é preciso ter dotes de adivinho para perceber que Félix não se sente totalmente realizado no estilo de Diego Simeone. Chega a ser penoso assistir a um duplo desperdício: do treinador, o desperdício de acreditar que um pássaro libertino pode aprender a voar preso a uma corrente; de JF, o desperdício de iniciar longos voos até ao momento em que é puxado violentamente para trás pela força do metal. Já são muitos os jogos e os momentos que nos fazem chegar a uma conclusão: nem um nem outro vão ceder na natureza e nas convicções. E quem conhece os adeptos do Atlético Madrid sabe que estes tomarão sempre as dores do treinador argentino, pois o cholismo é uma forma de vida que casa com o ser Atleti.
Seja o peso dos €120 milhões (do que João Félix não tem qualquer culpa) que inflacionaram o peso da crítica (a honesta, com base argumentativa, e a cobarde, que prolifera no espaço virtual) ou a falta de liderança do internacional português (a tal que Ronaldo tem em abundância), falta pouco para chegar o momento de clube e atleta perceberem o que é melhor para ambos. Aos 22 anos não é tarde para dar o tal passo seguro: Kaká (o primeiro grande ídolo do avançado natural de São João de Lourosa) chegou ao Milan a caminho dos 22 anos e venceu a Bola de Ouro aos 25. Félix tem talento para um dia lá chegar mas primeiro tem de tomar melhores decisões. Não as pequenas (mas importantes) decisões dentro de campo, antes a grande (e fundamental) escolha: quando e onde quer ser feliz.