Ironias!

OPINIÃO01.10.202107:00

Lembram-se das grandes noites europeias do Benfica de Koeman no Estádio da Luz?

N ÃO me leve o leitor a mal, mas julgo que bem merecia Jorge Jesus o conforto e o orgulho de uma noite como a que viveu, quarta-feira, na Luz, com a indiscutível vitória europeia do Benfica sobre o Barcelona. O treinador do Benfica tem sido alvo de tanta crítica (algumas justas, outras absolutamente injustificadas) que nada melhor do que um jogo como o que a equipa encarnada fez na 2.ª jornada da poderosa Champions para travar aquela parte da crítica que parece não ter memória, mas tem, muitas vezes, inaceitáveis e incompreensíveis dois pesos e duas medidas. Tivesse Jorge Jesus alguma vez dito que mandou os seus jogadores defenderem em 5x4x1 e eles recusaram, como disse o jovem Rúben Amorim, e certamente teria sido crucificado na praça pública.
Pior: se Jorge Jesus dissesse que tem de falar com o presidente porque se a mensagem não passa e os jogadores não fazem o que ele quer, então não está ali a fazer nada, como disse agora o precipitado e perdido Sérgio Conceição, bom, é muito provável, no mínimo, que lhe exigissem a demissão!
Tem Jorge Jesus tido ao longo da carreira, sobretudo depois de chegar, em 2009, ao Benfica, muitos momentos em que o que disse jogou muito contra ele. Inquestionável. Quando se ganha, o que se diz tem menos importância, é verdade, e o que Jesus foi dizendo teve sempre menos importância quando venceu. O pior é quando perde, como aconteceu com o resultado da última temporada, sobre a qual ainda hoje se fala como se a má época do Benfica tivesse sido apenas resultado da incompetência de jogadores e, sobretudo, do treinador.
Sejamos claros: uma coisa é considerar-se que a pandemia não foi a única culpada da má época dos encarnados, e obviamente não foi! Outra é ignorar-se, pura e simplesmente, as consequências da pandemia no que o Benfica fez ou não conseguiu fazer. E isso é incompreensível.
Para se criticar Jorge Jesus, realmente tudo serve. Critica-se pelo que faz e pelo que diz; pelo que não faz e pelo que não diz; pelo que achamos que quis dizer; pelo que nos parece que devia fazer. Se Jesus disse que jogar com o V. Guimarães é o mesmo que jogar com o Barcelona, ninguém se dá ao trabalho de acreditar (ou interpretar) que Jesus queria dizer que para o Benfica o modo de encarar cada adversário tem de ser o mesmo e a atitude tem de ser igual.
Se Jesus lembra que o mais importante para o Benfica é o campeonato, e é, está a ser redutor e a pensar pequeno, porque a Europa é que interessa. Mas os treinadores dos grandes, seja ele Sérgio Conceição ou Rúben Amorim, dizem o mesmo, e nesses casos já parece compreender-se. Experimentem Rúben Amorim, Sérgio Conceição ou Jorge Jesus chegar aos oitavos de final da Champions e acabar o campeonato em 2.º ou 3.º e verão o que lhes acontece…
 

Apropósito desta grande noite europeia do Benfica talvez não seja má ideia lembrar a profunda ironia que a vida, e no caso o futebol, por vezes nos reserva.
Algumas das mais notáveis e inesquecíveis noites europeias vividas na Luz (e não só) nos últimos 15 anos, sensivelmente, tiveram como grande protagonista entre as águias precisamente Ronald Koeman, o treinador neerlandês que viveu agora o pesadelo que viveu e parece à beira de colapsar como líder do Barça!
Por que será Koeman tão pouco lembrado na Luz? Talvez por não ter sido campeão nacional - chegou até a ser acusado de só se preocupar com as competições europeias em benefício da sua carreira. Um disparate! Com Koeman, no final de 2005, o Benfica venceu um grande Manchester United numa épica noite na Luz, por 2-1, enfrentando Van der Sar, Rio Ferdinand, Paul Scholes, Ryan Giggs, Wayne Rooney, van Nistelrooy e… Cristiano Ronaldo (!!!) e esse mesmo Manchester United nem conseguiu qualificar-se no grupo das águias. E nos oitavos de final, já em 2006, o Benfica de Koeman só fez cair (1-0 na Luz e 0-2 em Anfield) o Liverpool então de Sami Hyypia, John Arne Riise, Xabi Alonso, Dietmar Hamann, Morientes, Steven Gerard, entre outros… e não sendo o Liverpool de hoje, era o Liverpool e o Liverpool é sempre o Liverpool! Ironia das ironias, o Benfica de Koeman viria a cair nos quartos de final dessa Champions aos pés do Barcelona de Frank Rijkaard, Xavi, Iniesta, Ronaldinho Gaúcho, Deco, Samuel Eto’o, com 0-0 na Luz e derrota por 2-0 na Catalunha.
Para quem viveu o que viveu no Benfica, abatendo Man. United e Liverpool numa época, nada de mais irónico para Koeman do que voltar à Luz para viver, afinal de contas, um dos maiores pesadelos de que terá memória como treinador.
 

ENQUANTO isso, para Jesus, esta grande vitória não pode, evidentemente, deixar de ter um saborzinho especial, sobretudo pelos constantes ataques de que tem sido alvo, por ter cão e por não ter. Como ele sublinhou, vale, porém, apenas três pontos e esses três pontos podem vir até a valer de pouco quando chegar a altura de fazer as contas finais do grupo. Mas isso, logo se vê.
O mais importante, julgo, será Jesus poder mostrar que está a conduzir a equipa num bom caminho e que foi absolutamente fundamental fazer os ajustes que fez no plantel, porque, há um ano, o Benfica e Jesus não foram capazes de resolver, de uma só vez, todos os problemas que o plantel já tinha. E todos viam os problemas que tinha, menos os que não queriam ver!
Há um ano, talvez Jesus esperasse, com mais um um ou outro jogador que acabou por não chegar, resolver os problemas do plantel encarnado e, sobretudo, os mais que evidentes desequilíbrios que esses problemas provocavam na equipa e na sua forma de jogar. Como se viu.
Os problemas, como agora todos reconhecem, apenas deixaram, em grande parte, de estar lá porque o Benfica tem agora João Mário, e pode, entretanto, assumir nova fórmula com a chegada de um jogador com as características e a qualidade de Yaremchuk (o que ele dá à equipa, e o que ele permite, em particular, a Darwin e a Rafa).  Mas se é assim, temos forçosamente então de reconhecer o trabalho que Jesus tem vindo a fazer, sem esquecermos como terá vindo, também, a ser tão difícil, com tanto vento contra, melhorar e afinar (com a chegada tardia de Lucas Veríssimo, apenas em janeiro deste ano) aquilo que é mais difícil de conseguir numa equipa de futebol, que é o seu processo defensivo.
Hoje, numa ou noutra equipa, como aconteceu agora com o FC Porto (sem Pepe e sem Mbemba), ou antes com o Sporting, que tinha ficado, frente ao Ajax, sem Coates e sem Pedro Gonçalves, não falta quem procure atribuir, e talvez bem, a esse tipo de ausências boa parte da razão dos insucessos. Mas não me lembro, com toda a franqueza, de ver alguém ter tido compaixão com o Benfica de Jesus quando chegou, por exemplo, à meia-final da Taça da Liga, perdida (1-2) para um forte Braga, com uma defesa composta por João Ferreira, Todibo, Jardel e Franco Cervi!!! Como se sabe, nem foi por causa da pandemia; foi talvez por Jesus ser… um incompetente!
 

Amagnífica vitória do Benfica teve, entretanto, nuances bem interessantes. Desde logo, a felicidade encarnada de marcar aos 2 minutos, quando o jogo ainda nem era jogo. Depois, quando o Benfica mais abanou, aquele corte providencial de Lucas Veríssimo, a salvar, autenticamente, dois golos (!!!), o que o adversário não marcou e o que a águia não sofreu, se me faço entender, porque aquele golo do Barça talvez virasse o jogo do avesso...
Ambicioso, mas correndo, como se viu, riscos, Jesus venceu, porém, a aposta na fórmula usada, sobretudo porque Weigl e João Mário, mais o trio de centrais, e um Rafa de grande compromisso defensivo, foram magistrais, na noite em que Darwin acabou iluminado pelas tremendas características que tem e que deverão fazer dele, aposto, mais um ou dois anos, não tenho qualquer receio de o afirmar, um dos melhores, mais contundentes e ferozes avançados do mundo, talvez rendendo ao Benfica, se a economia recuperar o que se espera, nova cifra recorde!
Volto, porém, um pouco atrás para sublimar, ainda mais, a exibição de João Mário, para mim, melhor em campo pela segunda parte verdadeiramente soberba, diante de um Barça que está num sempre difícil processo de reconstrução, mas que tem, como se viu, equipa e jogadores capazes de fazer muito e bem com a bola, e bem menos, e muitas vezes mal, sem ela. O que se compreende com facilidade.
Volto, por fim, a morder a língua, para reconhecer como parecem, agora, profundamente desajustadas muitas das críticas que eu próprio fiz ao patinho feio desta águia de Jesus, um Gilberto que voltou a entrar muito bem no jogo. Tome-se nota: no golo de Rafa, sabem onde ele estava? Na linha da pequena área do Barcelona. E não foi Gilberto que surgiu a cabecear a bola, também à entrada da pequena área dos catalães, para Dest fazer penálti?!
Caro Gilberto, creio, com sinceridade, que terá muito mais futebol do que julguei ver. Habitue-se: em Portugal, somos uns impacientes e temos um bocado a mania (mea culpa, pela parte que me toca) que percebemos muito de futebol.
Tenha lá paciência!...