Inglaterra, deliciosa euforia
Os ingleses vivem um verão de encantamento com a seleção. Andam loucos de alegria com a perspetiva de chegarem à final do Mundial. Para isso basta eliminarem hoje a Croácia. Parece tarefa ao alcance de uma equipa que no inicio era só Kane, Sterling e Delle Ali, e depois foi revelando, jogo a jogo, novos heróis improváveis como Pickford, Maguire, Trippier e Dier. A única vez que a Inglaterra esteve numa final foi há 52 anos no velho estádio de Wembley, ao tempo dos magníficos Magriços, dos Beatles e de Oliveira Salazar (nem tudo era excitante em 1966). Pressentindo a possibilidade de algo histórico, os jornais ingleses fazem títulos delirantes, dão largas à imaginação e invocam o ancestral espírito guerreiro desta raça que nunca vira a cara à luta.
A Croácia é apresentada como o último obstáculo antes da final sonhada e os ingleses dão provas de um otimismo exuberante quando, se calhar, deviam ser um bocadinho mais contidos. É verdade que a Inglaterra costuma sair-se bem nas guerras a sério - que o digam prussianos e alemães, franceses, holandeses e espanhóis. Mas no que toca à seleção tem sido mais garganta que outra coisa - repare-se que na Rússia os ingleses atingiram apenas a 5.ª meia-final de uma grande competição em 23 participações (para se ter uma ideia, o minorca Portugal soma duas finais e oito meias-finais em 15 participações). Ou seja: os ingleses, por muito interessante que esteja a ser a campanha de Gareth Southgate, não têm o estatuto e o currículo de uma Alemanha, uma Itália ou uma Espanha para se armarem em favoritos. Até por isso a Croácia pode perfeitamente estar a pensar que nunca mais terá uma oportunidade como esta de chegar à final. O tetracampeão europeu realista Luka Modric pensa nisso, claro. Ele tem enchido o campo com a autoridade dos predestinados e mostrado a toda a gente o que é um líder. Depois de ter fuzilado os argentinos com um golo à Cruyff - com quem é parecido de cara, aliás - não seria nenhum escândalo se o pequeno Luka & c.ª privassem os Três Leões da final de Moscovo.
Voltando à onda de alegria inglesa. As bancadas do moscovita Luzhniki estarão repletas de adeptos que gritam, aplaudem, cantam e bebem como ninguém. Por mim, a clareza do urro coletivo deles no momento do golo - aquele «yééésssssss!!!» - é das coisas mais belas que se podem ouvir num estádio. Testemunhei esse ritual sonoro nos recintos desportivos mais míticos das Ilhas Britânicas: Wembley, Anfield, Celtic Park, St. James Park, Old Trafford, o velho Highbury, Hampden Park, Landsdowne Road, Twickenham, e nunca me cansarei de o escutar. A mesma «doce euforia» que percorreu a Bélgica de lés a lés (no dizer do sóbrio Le Soir) atinge níveis de histeria na Albion. E os exageros, alguns deliciosos, remetem-nos para a velha mania britânica das grandezas, compreensível em quem teve um império terrestre de dimensões descomunais.
Agora imaginem se a Inglaterra eliminar a Croácia. Por mim, que sempre adorei o espírito do futebol inglês, não escondo que gostava de os ver na final. Por uma questão de justiça poética: é que os ingleses tratam o futebol como ninguém - jogo e indústria. Têm o melhor campeonato do Mundo, belas equipas carregadas de história, tradição e figuras que eles próprios se encarregam de colocar em posições cimeiras da história do futebol (exageros que mil vezes repetidos passam a soar verdadeiros); estádios com adeptos e ambientes fantásticos. Além disso, não menos importante, os ingleses encaram (e defendem!) a competição como ela devia ser em todo o lado: equilibrada, limpa, leal. Batoteiros e chico espertos têm ali rédea curta: em Inglaterra quem tenta perverter o espírito da competição sofre logo forte censura social e imediato acosso da Justiça. Abençoado povo nesse aspeto.
Por isso… come on England! (desculpa Modric).