Honrar a história em Liverpool

OPINIÃO12.04.202206:30

Na Luz, faltou ao Benfica uma voz de comando. Foi tudo demasiado previsível, não deixando espaço para um rasgo de loucura que pudesse confundir os ingleses

H Á uma semana, escrevi, neste espaço, que seria possível ao Benfica, através da Liga dos Campeões, salvar uma época que tem sido um suplício para os seus adeptos. Trouxe à colação o exemplo de 2006, em que a águia despachou em dose dupla o temível Liverpool, nos oitavos de final da competição, tendo vencido na Luz (1-0) e em Anfield (2-0). Convenci-me de que, pelo menos uma vez, na presente temporada, fosse possível os jogadores encarnados encherem-se de brios e, no mínimo, transferirem a decisão da eliminatória para o jogo da segunda mão, marcado para amanhã. Enganei-me, porém.
Dois dias depois, na edição da quinta-feira, o jornalista Nuno Paralvas assinou interessante trabalho em A BOLA, destacando que os jogadores do Benfica sentiram que «pagaram um preço elevado pelos erros que proporcionaram os três golos ao Liverpool - um após pontapé de canto, dois na sequência de saídas rápidas para o ataque».
Foi por isso, mas não só. Darwin queixou-se de ter sofrido um penálti que ficou por assinalar. Creio que a razão está do seu lado, embora a coerência não seja a principal virtude dos nossos especialistas, ao ponto de, no lance em concreto, um deles ter sentenciado que a queda do avançado uruguaio pareceu resultar mais «de um aproveitamento do contacto do que de um impedimento» e outro considerado não ter havido intensidade para que «o lance fosse sancionado como irregular». A partir daqui, estamos conversados, é o vale tudo, e não estou a criticar quem assim pensa. O que contesto é a abusiva interpretação que se tem feito do toque, ora determinante, ora sujeito a necessário escrutínio quando convém, de acordo com a simpatia pelos árbitros em análise ou pelos clubes intervenientes. Histórias de muitos anos e de longas barbas que talvez expliquem o profundo silêncio do Conselho de Arbitragem da FPF, o qual nada diz e nada vê porque, segundo ele, nada acontece. É estranho, mas é assim.

O Benfica poderia ter marcado o segundo golo, com ou sem penálti, se tivesse sido mais ousado, mas também poderia ter evitado sofrer o terceiro, se tivesse sido mais competente. Faltou-lhe uma voz de comando. Foi tudo demasiado previsível e programado, não deixando espaço para um rasgo de loucura, contra a corrente, suscetível de confundir  os ingleses...
Se Nélson Veríssimo não o fez em Lisboa, com a eliminatória em aberto, não se está à espera que o consiga em Inglaterra, com a decisão praticamente fechada, tendo-me parecido excessivo o regime de poupanças utilizado no jogo com o Belenenses SAD, o último da classificação. «Temos de perceber que estamos num ciclo de cinco jogos em 15 dias», declarou o treinador benfiquista na projeção do encontro com os jamorenses, como engraçadamente os identificou José Manuel Delgado na sua crónica.
O Benfica está fora da Taça de Portugal, não luta pelo título de campeão nacional e mesmo assim foram impostas mudanças «em função da questão física», como afirmou Veríssimo. Teve as suas razões, mas, comparando com o esforço a que os jogadores do Liverpool foram sujeitos, anteontem, no estádio do Manchester City, em jogo alucinante, com a liderança na Premier League em discussão, tantos medos não permitem esperar grandes proezas. No entanto, haja a dignidade de honrar a história do emblema da águia e regressar a casa de cabeça levantada.

S ÉRGIO CONCEIÇÃO afirmou bem humorado que não estava a ver os adeptos portistas a festejarem nos Aliados um recorde pessoal do treinador do clube, mas terminado o jogo de Guimarães e concretizado o objetivo central, somar mais três pontos e ficar mais perto do título, aí, sim, derrubado um recorde de invencibilidade de John Mortimore, treinador inglês que representou o Benfica no final dos anos 70 e em mais duas épocas na década de 1980, deu um sinal de fraqueza. Sendo filho de boa gente, como diz o povo, e 57 jogos depois sem perder no Campeonato, Sérgio Conceição confessou não ser de pedra nem de gelo e perceber que são números muito interessantes que refletem a qualidade do trabalho diário de muita gente que o segue e o aceita orgulhosamente como líder. Com Sérgio Conceição nada fica a meio, por isso é detestado ou amado.

R ÚBEN AMORIM deu mais um exemplo de como se deve dizer. Questionado sobre a situação de Slimani, pensou e deixou os jornalistas sem mais questões para lhe colocarem. «Vou ser sincero com vocês, porque é mais fácil», declarou o treinador leonino, reduzindo um tema que prometia conversa agitada a um pormenor sem importância. Num golpe de genialidade, Rúben Amorim, em meia dúzia de palavras, disse o que devia ser dito e matou o assunto. Comunicar sem nada dizer é uma estratégia que não resolve, apenas agrava. Saber dizer, o que deve ser dito, no momento certo e na devida proporção, é a solução. Foi o que Rúben Amorim fez e a família leonina apreciou. Caso gerado, caso encerrado, com elevação. Ponto final.