Hoje é dia de festa em Portugal
HOJE, na Luz, o Benfica defronta o Sporting. É dia de derby e, por isso, um dia de festa para o futebol português e para todos os adeptos de futebol.
Dirá o leitor mais desprevenido: «Calma, aí, é dia de festa para os benfiquistas e para os sportinguistas e mesmo assim até se conhecer o resultado no final do jogo.» Mas não é verdade. Os portistas estão já ansiosos e querem que o Sporting ganhe ao Benfica, porque acham que o perigo maior vem da Luz e não de Alvalade. E há todos os outros. Os que têm clubes pequenos e acabam, sempre, por ser de um dos clubes grandes, nem que seja por adoção. E ainda os que têm apenas um interesse familiar, caso de muitas mulheres que não ligam ao futebol mas querem ver felizes os seus maridos e não querem ver homens que agem como putos amuados ao jantar.
Claro que também existem homens sem clube e que juram não gostar de futebol. Quando assim falam lembro-me de um artigo notável, publicado em A BOLA, de autoria da minha querida amiga Rita Ferro e que dizia: «Quando ouvimos dizer, ‘não sou de nenhum clube’ ou, ‘não gosto de futebol’ as mulheres olham logo, simultaneamente atraídas e desconfiadas, em busca de um defeito físico ou psíquico que justifique um tal desprendimento, para não dizer autismo. E quando o indivíduo não apresenta deficiências explícitas, a perplexidade é tão grande que se chega a duvidar da sua sanidade ou, pior ainda, da sua virilidade. E, perante isto, está tudo dito.»
Portanto, mesmo entre aqueles que, de facto, não gostam de futebol, perante tais dúvidas e inquietações femininas preferem resguardar-se e dizer que gostam, mas não acompanham com muito interesse, sobretudo, desde que o futebol se tornou uma indústria e perdeu todo o seu romantismo. Ora, isto, como se sabe, é uma perfeita falácia. Quase tudo na vida perdeu o romantismo, até o próprio romance.
Vejam o derby. Ao contrário do que muitos, mais velhos, são capazes de jurar, nunca houve romantismo em redor do derby. Dramatismo, euforia, desilusão, raiva, tristeza infinita, sim, mas romance ou sentimentos idílicos sobre o golo em offside, nunca.
Perante a proximidade de um derby, todos querem ganhar. Ou seja: não só ninguém quer perder, como ninguém quer empatar. Os que perdem são ciclicamente os adeptos mais infelizes do mundo até chegar uma próxima oportunidade no novo derby; mas se o resultado é um empate, há um sentimento geral de traição. Nada enfurece mais um verdadeiro adepto do que o sentimento de ser igual ao outro. Pode-se perder com honra e dignidade, pode, de preferência, ganhar-se com maior ou menor manifestação de superioridade sobre o adversário, mas empatar é trair as duas mais belas amantes do futebol: a alegria e a tristeza.
Um derby empatado - e já foram muitos - é um derby adiado até ao próximo derby. Por isso, uma perfeita perda de tempo, um desperdício de expectativa, uma ineficácia sentimental.
Hoje é, de novo, dia de derby e por isso o país real já discute o VAR, como se de um velho inimigo se tratasse. Pior do que o malandro do árbitro, porque este, ao menos, tem rosto e ouvidos para ouvir os nomes que, de longe, lhes atiramos. O VAR é que não. É um árbitro de alcatifa, sentadinho no bem-bom das cadeiras federativas, olhando os lances como se cozinhassem o bacalhau, de cem maneiras, imperturbáveis e imperturbados, decidam o que decidirem na sua PlayStation.
Seja como for, nenhuma modernice diminui ou desvaloriza a importância de um derby. Há um século que assim é e daqui por um século assim será.