Histórias do Chefe e dos seus Auxiliares
Uma tarde na vida do Chefe (1)
O Chefe estava no seu gabinete calmamente a andar de um lado para o outro a grande velocidade em redor da sua mesa, entretendo-se a arrancar, de tempos a tempos, violentamente, um dos seus cabelos, ao mesmo tempo que controlava o seu urro de dor, numa espécie de jogo consigo próprio, que ele mesmo classificava como «quase divertido» quando, subitamente, começou uma enorme confusão, vinda lá do fundo.
Para o Chefe, aliás, os aborrecimentos vinham sempre «lá do fundo», era quase um decreto de lei.
Tenho de eliminar do edifício a parte lá do fundo - pensou o Chefe - isto já não vai de outra maneira.
De facto, gritos horrendos partiam da origem habitual. E aproximavam-se.
O Chefe pôs-se todo direito, à espera.
Quando o perigo se aproxima, o comandante enfrenta-o de tronco direito e de cabeça levantada, pensou o chefe. Mas logo se dobrou para apanhar uma moedinha que lhe tinha caído do bolso.
De novo pôs-se todo direito, direitinho mesmo, hirto, de cabeça levantada, como se não existisse no mundo mais nenhuma moeda no chão. Completamente vertical, eis o Homem.
Entretanto, os gritos começavam aos poucos a ganhar forma.
Ganharam, depois, a pior das formas: eram as vozes dos seus Auxiliares. Nunca o largavam.
O Chefe estava já cansado de entrar em desespero com o auxílio daqueles homens. Tinha o direito de entrar em desespero sozinho, como um verdadeiro Chefe. Mas lá estavam eles de novo, os Auxiliares.
Uma tarde na vida do Chefe (2)
Fechou a porta por dentro. Depois, sempre poderia dizer que estava numa reunião importante. Se ele era o Chefe, portanto o ponto máximo, pensar de si para si próprio era ou não uma reunião importante?
Aliás, sozinho conseguia fazer, de longe, a reunião mais importante de todas.
Para se sentir mais convincente, quando apresentasse a justificação para a porta fechada, começou a falar sozinho, como se discutisse com um seu qualquer pensamento anterior.
Como não tinha prática em não concordar consigo próprio, as primeiras palavras que lhe saíram, foram:
- Bravo! Excelente ideia!
Uma tarde na vida do Chefe (3)
Sim, os Auxiliares já estavam próximos.
Corriam e gritavam, assustados.
Algo de grave estava a acontecer.
O Chefe endireitou-se, levantou o braço e com o dedo indicador apontou para cima.
Gostava muito deste gesto; sentia-se a apontar o caminho para a população que o seguia.
Só que em cima do seu gabinete não havia nada. Apenas compartimentos vazios. E uns lavabos.
É para cima, o caminho é para cima - parecia dizer o Chefe à população, com aquele gesto de braço levantado e dedo indicador esticado. E como a população nos últimos minutos não lhe saía da cabeça, sentiu-se comovido e, ao mesmo tempo, espantado consigo próprio.
Ele, que antes de ser chefe nunca, mas nunca, pensara na população, estava agora com os pensamentos totalmente embrenhados nela; na população.
Isto aprende-se, murmurou. Como uma nova técnica de saltar em altura; aprende-se.
(continua)