Haja vontade... e dinheiro

OPINIÃO28.01.202103:00

Centralização de direitos de TV em Portugal avança no período de maior contração de investimento no desporto. Um enorme desafio

SÓ pode representar uma excelente notícia a união de esforços conhecida ontem entre a Federação Portuguesa de Futebol e a Liga Portugal, plasmada em memorando, sobre a negociação centralizada dos direitos televisivos das competições profissionais de futebol. Não por coincidência, num momento em que o próprio Governo se prepara para legislar sobre a matéria - o que nunca seria feito sem que os principais agentes do meio não estivessem já previamente informados.
É uma decisão que peca pela longa demora, mas mais vale tarde do que nunca e Portugal pode deixar de ser, assim, caso quase único na Europa em que cada clube faz a própria negociação.

O desafio que se segue tem várias camadas. Primeiro, agradar aos grandes, que nunca aceitariam ganhar menos para os outros receberem mais; segundo, encontrar critérios para diferenciar as receitas desses mesmos três grandes; terceiro, encontrar dinheiro para isso. Acredito que a primeira questão será bem resolvida, tendo como exemplo o que se passou em vários países europeus, quer os de grande ou média escala: chegou-se à conclusão de que muitas fatias separadas valiam 100 mas o bolo inteiro antes de ser fatiado vale 200; quanto à segunda questão, a solução será encontrada numa combinação entre meritocracia e força social de cada clube.
O pior será mesmo a terceira questão: a injeção de capital. Este será porventura o pior momento para negociar com quem queira investir no desporto. Além das perdas na Europa superiores a dois mil milhões de euros nas épocas 2019/2020 e 2020/2021, há um outro elemento no relatório anual Football Money League da Deloitte que merece reflexão: a convicção de que muitos investidores podem fugir do desporto nos próximos anos. Um dado que vai ao encontro do relatório da consultora italiana StageUp, que prevê um período de três anos até que o desporto profissional volte aos níveis financeiros pré-Covid. Deu como referência a quebra de 36 por cento de contratos de patrocínio na Serie A (de €903 milhões para €650 milhões) entre 2019 e 2021 e outra cifra que faz abrir a boca de espanto pela magnitude: €10 mil milhões de quebra de sponsorização no desporto dos Estados Unidos em apenas um ano.
É neste contexto internacional que Portugal tentará ganhar dinheiro com o seu negócio chamado futebol profissional. É natural que não seja uma realidade para já (os contratos mais extensos terminam em 2028), mas negociações desta magnitude exigem tempo e uma mudança de paradigma que (pessimista me confesso) dificilmente poderá ocorrer com muitos dos atuais dirigentes de clubes, que aprenderam a crescer na divisão e não na conjugação de macro interesses.

C ASO estas barreiras sejam levantadas, que se pense ainda, a longo prazo, sobre o próprio modelo das transmissões televisivas para as novas gerações. Vejo pelo que tenho em casa, mas também por muitos outros exemplos que conheço, vejo e leio: os consumidores de jogos pela TV (ou noutros dispositivos móveis) que entrarão na idade adulta nos próximos anos não terão paciência para ver 90 minutos de um jogo de futebol (é a geração abelha: sempre a saltar de flor em flor. E isto já acontece, pasme-se, com futebolistas juvenis e juniores), o que obrigará a muita criatividade de quem trata do negócio no futuro que não está assim tão longe. Não sei se o futebol poderá caminhar para uma fragmentação do produto como acontece na NBA (desde 2018 que já é possível comprar apenas o quarto período de um jogo através de streaming), mas alguma coisa vai seguramente mudar na segunda década do século XXI. Para já, no entanto, no Portugal de 2021 ainda se discute a saída do século XX. Cada coisa a seu tempo.