Greta e todos os pequenos amestrados
Greta Thunberg sensibilizou o mundo com um discurso improvável para a sua idade. A sua defesa intransigente da luta contra as alterações climáticas, feita de frases simples e fortes, como se estivesse a escrever nas redes sociais, tornou-se viral. Aos 16 anos, a jovem sueca, que ontem chegou a Madrid, durante a cimeira climática da ONU, tornou-se uma pop star. Toda a sua viagem, desde Los Angeles a Madrid, com demorada escala em Lisboa, foi seguida pelos media mundiais com uma atenção permanente e desproporcionada.
Greta tinha previsto uma viagem bem mais simples. A cimeira do clima estava programada para o Chile e a jovem sueca pensava, apenas, ser acompanhada pelo pai numa viagem de barco, sem sair do continente americano. Mas o Chile está a ferro e fogo e tal como a final da Libertadores fora mudada para o Peru, a reunião mundial sobre o clima passou para Madrid. Por isso, Greta atravessou os Estados Unidos, de automóvel elétrico, e rumou para a Europa, num katamaran milionário de um jovem casal australiano, que levou vinte e um dias a chegar a Lisboa.
Apesar do tédio televisivo das últimas horas da travessia, com uma entrada na cidade iluminada por um sol, de dezembro, intenso e brilhante, quase todos os canais de televisão portugueses se ocuparam do que consideraram ser um universal acontecimento, transmitindo, em direto, filmando acenos e gestos vagos, sublinhados por repetitivas considerações de quem, verdadeiramente, não tinha nada a dizer, de novo .
Nos dias que se seguiram, ficámos a saber por onde andou, o que fez, o que comeu, o que disse a menina que desembarcou com um cartaz em sueco onde pretendia justificar a sua prolongada greve escolar com uma atitude de alerta político contra a falta de sensibilidade dos governantes mundiais perante as graves alterações climáticas no planeta.
Na última quinta-feira, Greta seguiu, finalmente, para Madrid. Mais de dez horas de comboio até Chamartin, não chamaram devidamente a atenção para o escândalo de uma linha férrea obsoleta e de umas desajeitadas carruagens do século passado.
À chegada, uma multidão de jornalistas tornou o momento de tal forma infernal, que chegou a criar uma situação caótica, assustando quem por ali passava. Sem fazer qualquer declaração pública, Greta seguiu com o seu pai, Svante, que, pelos vistos, também estará em greve, do que quer que seja, para acompanhar a filha nas horas mortas e nos acenos ao povo embasbacado.
Enfim; se notam, por esta prosa, algum sinal de ironia e de crítica, notaram bem. Não consigo deixar de ser visceralmente contra as crianças amestradas. Sejam elas precoces artistas de telenovela, prometedores jogadores de futebol, robotizadas ginastas olímpicas, de nota 10, ou ativistas políticos a tempo inteiro. Porém, sou totalmente a favor da luta contra as principais causas que levam à degradação do clima, tal como sou a favor do teatro, do cinema, do futebol ou da ginástica. Mas repudio o aproveitamento das criancinhas, não raras vezes patrocinadas pela desmedida ambição de pais medíocres. Medíocres como pais e medíocres como cidadãos.
Acredito que Greta tenha vocação sincera para vir a fazer o que hoje faz, mas não acredito na seriedade de um show business das grandes causas sociais.
Em Madrid, Greta juntou-se a Kicyprya Kanguijam, uma menina indiana de apenas oito anos de idade e que, tal como a jovem sueca, é já uma popular ativista da causa climática. Pior do que uma ativista profissional, de dezasseis anos, só uma ativista de oito.