‘Grande’ europeu só o dragão
Academia de referência na deteção de talentos está a transformar-se numa espécie de delegação do Inatel no Seixal para jogadores em idade de pré-reforma
O formato em estudo da Liga dos Campeões, para vigorar a partir de 2024, deverá ficar definido esta semana, em princípio amanhã, depois de limadas as pendências ativas, na reunião da Comissão de Competições de Clubes da UEFA que é presidida por Fernando Gomes. Independentemente do que vier a ser decidido pelo comité executivo, aos principais clubes portugueses exige-se-lhes, a partir de agora, um esforço suplementar de modo a evitarem a exclusão, sendo certo que, de todos, é o FC Porto quem mais tem contribuído para a melhoria do ranking português na UEFA.
Voltou a acontecer este ano, mantendo-se ainda em prova, nos quartos de final da Champions, enquanto os outros foram saindo pela porta dos fundos, primeiro o Rio Ave e o Sporting, que nem passaram das pré-eliminatórias, e mais recentemente o Benfica e o SC Braga, dispensados por incapacidade de argumentação competitiva nos dezasseis avos da Liga Europa.
O FC Porto tem sido capaz de consolidar uma elogiável dimensão internacional, sublinhada com três títulos neste século - Taça UEFA (2003), Liga dos Campeões (2004) e Liga Europa (2011) - e consequência de uma cultura de grande europeu idealizada e executada, pelo menos, desde 1985, podendo gabar-se de ser o único emblema português com esse estatuto nos dias de hoje, admirado aquém e além fronteiras e que se transformou na imagem distintiva do próprio clube, a que dirigentes, técnicos, jogadores e adeptos designam vulgarmente como ADN do FCP.
G OSTE-SE ou não, a realidade é inquestionável: o FC Porto é a principal referência lusa na Europa e no Mundo e numa altura em que se discutem temas relevantes como o próximo formato da mais importante prova de clubes à escala planetária, a UEFA Champions League, é o emblema do dragão quem mais tem produzido para, nesta altura, estarmos em condições de discutir com a França a posse da quinta posição, além de ter fortalecido, com as suas vitórias, a robustez de Portugal nas negociações de acesso a uma competição que já é de elite mas pretende ser de acesso ainda mais reservado. Como vai ser organizada, em concreto, é o que está em cima da mesa à espera da decisão final.
Serão 36 participantes em vez dos atuais 32. Falta esclarecer, porém, o preenchimento das quatro vagas e é aqui que a diferença entre ser quinto ou sexto no ranking poderá pesar nos pratos da balança. Fernando Gomes saberá salvaguardar os interesses do futebol português até ao limite do que lhe for possível, mas convém que os principais emblemas lusos aceitem esse esforço a que aludo no início desta peça e percebam o significado do que está em jogo.
A única certeza é a de que, a partir de 2024, entre ficar dentro ou à porta da super Champions representará uma diferença enorme, traduzida em muitos milhões de euros, no reforço do prestígio dos clubes intervenientes e na valorização dos seus jogadores.
N OS últimos dez anos, FC Porto (destacadíssimo), Benfica, Sporting e SC Braga, por esta ordem, foram os clubes que mais pontuaram na UEFA (os restantes tiveram contribuições residuais e alguns nem isso, só atrapalharam…), mas ao nível da Liga dos Campeões o dragão foi abrindo um fosso para os restantes no consulado de Sérgio Conceição (em quatro épocas, oitavos de final em 2017/2018, quartos em 2018/2019 e, até ver, quartos em 2020/2021).
A águia conseguiu idêntico registo entre 2012 e 2017 (quartos em 2011/2012, eliminado pelo Chelsea, com Jorge Jesus, e quartos em 2015/2016, Bayern, e oitavos em 2016/2017, Borussia Dortmund, com Rui Vitória), mas desde então tem fraquejado na sua vontade de regressar ao patamar de excelência do qual foi hóspede habitual durante décadas.
A grande amargura de Luís Filipe Vieira explica-se, talvez, por ter sido pouco determinado nas políticas seguidas, ora alicerçadas na formação através de planos de longo prazo, ora focadas na navegação costeira, sem perspetivas de futuro, como parece ser o caso presente, em que uma academia de referência na deteção de talentos está a transformar-se cada vez mais numa espécie de delegação do Inatel no Seixal para acolhimento de jogadores em idade de pré-reforma.
Com Sérgio Conceição, o FC Porto adquiriu uma dinâmica de Champions, como os resultados testemunham. Em contraposição, no mesmo período, o Benfica nem de perto nem de longe emitiu algum ténue sinal à sua massa adepta no mesmo sentido, que lhe permitisse, também ela, sonhar com a recuperação do projeto europeu, perdido no final dos anos 90 e nunca mais encontrado. Era, e é, o objetivo supremo de Vieira. Como admirador do seu trabalho e da sua obra, penso que ainda vai a tempo, se quiser. Tudo depende dele.