Gomes dá a mão a Proença

OPINIÃO07.04.202004:00

SE a  pandemia  provocada pelo novo coronavírus é global esperar-se-ia uma tentativa de  solução também global para o futebol europeu, mas a UEFA, cautelosa, e respaldada nas limitações da sua  jurisdição, depressa advertiu que os problemas criados pela necessidade de adaptação da calendarização  dos  campeonatos de cada país  teriam de ser revolvidos pelas respetivas federações. Não surpreende, portanto, a decisão da Bélgica que resolveu entregar o título ao  Club  Brugge, devido a considerável vantagem pontual sobre o segundo (15 pontos) e também à situação que se vive, em que «o desporto não pode ser considerado a primeira preocupação». O que espanta é a reação em voz grossa do presidente uefeiro, pela incoerência e por ameaçar excluir os clubes belgas na próxima edição das provas  europeias, enviando uma carta a todas as federações, assinada por ele, Andrea Agnelli (Clubes) e Lars-Christer Olsson (Ligas), em que se considera que parar as competições deve ser o último recurso e só depois da certeza  de que nenhuma alternativa permitiria concluir a temporada.

A UEFA quer dar a ideia que manda, mas apenas dá palpites, porque quem verdadeiramente manda é o vírus. Dos três supostos planos de Ceferin dois já passaram à história e o terceiro, seja o que for, continua bloqueado pela pandemia e sem prazo para ter luz verde. Outra  incoerência foi a de ter  apontado o dia 3 de agosto como limite para os primeiros quinzes países do ranking indicarem a lista de participantes nas competições da UEFA da época 2020/2021. Já tinha lido em  A BOLA, mas, este fim de semana, Ceferin sublinhou, em entrevista à televisão alemã ZDF,  que naquela data teria de estar tudo terminado, embora  sujeito à concordância dos governos nacionais. Em sua opinião, a única decisão errada será colocar em risco  a saúde das pessoas, mas se for seguro a ordem é para avançar, mesmo «com jogos à porta fechada, com televisão».  


Muito bem, e se não for seguro? A quem competirá a decisão? Pois, voltou a esticar-se e a própria UEFA teve de corrigi-lo em comunicado. Afinal, não era sua intenção indicar datas, porque, finalmente!, a prioridade é a saúde pública e até está em cima da mesa realizar jogos em julho e agosto. Onde já vamos… E porquê? Pela razão simples de o regresso do futebol em segurança e total liberdade  estar dependente da autorização das autoridades de saúde e não da vontade da UEFA. Por outro lado, a revolta dos futebolistas espanhóis deverá estender-se pela Europa. Reclamam que todas as alterações em termos de novas datas  têm de merecer a concordância das autoridades sanitárias. Era o convite que faltava a Ceferin para descansar uns dias e repensar tudo.

Pedro Proença, na sua quintinha, está numa posição em que não pode, e se calhar nem quer, tomar decisões  relevantes.  Anda pelos intervalos dos pingos para não se molhar, ou molhar-se pouco, apesar de patrocinar coisas  absurdas  como o plano  de treinos pelos vistos decalcado do parceiro espanhol, em que os jogadores teriam de se equipar em casa, entre outras bizarrias, ou como a peregrinação nacional ao Algarve para as dezoito equipas da Liga jogarem à porta fechada e em regime de internato.  
À semelhança de  Ceferin, o presidente da Liga portuguesa, também sem mais datas para anunciar, está de mãos atadas, pelas circunstâncias e pela sua inabilidade no modo como interrompeu as competições  sem ter o cuidado de consultar quem devia para avaliação de consequências e procura de soluções. Em vez disso, ordenou e provocou  um ambiente de mal estar com as operadoras de telecomunicações, que era evitável e não se sabe como irá acabar. A denúncia é da Altice Portugal, que lembra «nunca ter sido ouvida ou notificada». E adianta: «Nunca fomos lembrados ou envolvidos em todo o processo, apesar de sermos agora reconhecidamente uma parte  importante deste ecossistema.»
Proença deitou-se na cama que fez e  ficou à deriva, por ter permitido que a questão fluísse para um beco de difícil saída. Sei, sabemos todos, os que acompanham o futebol por dentro há umas dezenas de anos, que de cada vez que um presidente tirava do bolso contas por pagar sem ter como, todos iam bater à mesma porta. Hoje, não será bem assim, mas, no essencial, a relação mantém-se de sentido único. Apenas terá mudado o número da porta.  

OS clubes estão aflitos, uns mais do que outros, e a FPF é a única entidade com credibilidade e peso institucional para desatar o nó que a Liga deu, pois é urgente diluir o erro e olhar para as operadoras como aliadas e não como inimigas, porque nunca o foram.  
Fernando Gomes tem prestígio,  experiência e sensibilidade e a primeira prova de boa convivência deu-a ao destacar a atitude das quatro  operadoras nacionais.  
«Acreditem que a decisão agora tomada por Altice, NOS, Vodafone e Sport TV é fundamental para os clubes de futebol profissional em Portugal. É, também, um passo importante para que possamos conseguir um ponto de equilíbrio que muito ajudará a ultrapassar a crise inesperada», escreveu o presidente da FPF, na medida em  que nunca esteve em causa nenhum incumprimento por parte delas. Pelo contrário, a culpa  é toda dos dirigentes dos clubes que têm «mais olhos que barriga», como criticou Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores.  
Mesmo sem jogos,  março foi pago. Daqui em diante se verá. Pode ser que o vírus se canse…