Gerir a coerência!...

OPINIÃO11.12.202105:55

São muitas as mensagens que Amorim tem feito passar por actos e palavras, que envolvem risco pessoal que encara com tranquilidade

RÚBEN AMORIM rompeu com a vulgaridade, a banalidade e até a mediocridade das conferências de imprensa, antes e após os jogos: vulgaridade, na forma; banalidade e mediocridade nos conteúdos!
Na verdade, a sua comunicação é tão simples e directa que facilmente percebemos as mensagens que se pretendem passar.

A primeira mensagem que me transmitiu no momento em que assumiu o compromisso com o Sporting foi a de que trazia um projecto desportivo. Mas seria de acreditar que ele conseguiria impor um projecto com princípio, meio e fim num clube onde raramente as pessoas se entendem quanto à duração do mesmo, atendendo aos longos anos de insucesso? Confesso que torci o nariz, mas lembro-me bem que entendi dever dar o benefício da dúvida (ou da certeza) quando ele me questionou e a todos os sportinguistas: «E se der certo?»

O nariz voltou à posição inicial e dei esta resposta a mim mesmo: este tipo tem muita confiança em si próprio, sabe o que quer e não tem medo de arriscar. Ou vai longe ou daqui a quinze dias está na rua!...

Uma coisa é certa: passei a tomar muita atenção ao que dizia e, sobretudo, ao que fazia. Sobretudo ao que dizia, porque o que estava a fazer saltava à vista - a construção de uma equipa.

A reacção de Ruben ao caso Palhinha não me deixou qualquer dúvida sobre a existência de um projecto do qual se não queria afastar. Lembro-me bem que, ainda antes da vitória da justiça que permitiria a Palhinha jogar o dérbi, que este não jogaria, mas jogaria outro, esclarecendo e questionando que projecto seria o dele se não tivesse solução. E foi esta atitude de confiança no projecto e nos jogadores que o integram que não me saiu da cabeça durante toda a semana que antecedeu o último Benfica-Sporting, quando vi as lágrimas de Palhinha ao abandonar o campo lesionado no jogo com o Tondela.

Na época passada, Palhinha, mesmo estando em condições legais para jogar, ficou inicialmente no banco, numa atitude de confiança para com o jogador que havia sido preparado para o substituir. Rúben assumia o risco pessoal em nome de um projecto colectivo. Ganhou a aposta e não tive mais dúvidas sobre a existência de um projecto e de um líder para esse mesmo projecto.

Foi por isso que, passado um ano, a ausência do mesmo Palhinha, acrescida da do Coates - dois jogadores fundamentais numa equipa em que todos são fundamentais -, não perturbou o meu ânimo, nem a profunda convicção de que o Sporting iria ganhar, como manifestei na Quinta da BOLA, na véspera. Apenas me enganei no palpite do resultado: o Sporting marcou mais um golo que os por mim vaticinados. Isto é, vivi a semana sem grande preocupação ou nervosismo face àquelas ausências, sempre confiante perante a interrogação de Amorim: que projecto seria este se não tivesse solução! Há dois anos não pensava assim... 
 

Rúben Amorim ganhou o dérbi ao Benfica com uma equipa em que não constavam Coates (Covid-19) e Palhinha (lesionado)


Com todo o respeito pelos jogadores substituídos, não dei pela sua ausência física no campo já que o espírito esteve lá e de que maneira!...

Mas o que mais me impressionou, porque não me lembro de outra ocasião semelhante, foi a forma como a equipa entrou a jogar no Estádio da Luz e que não deixou dúvidas a ninguém de que iria ganhar o jogo: à campeão!... 

Não me chegaria o espaço para lembrar aqui todas as mensagens que Rúben Amorim tem feito passar por actos e palavras, e que envolvem um risco pessoal que encara com uma tranquilidade impressionante. Lembro-me, por exemplo, do penúltimo jogo do campeonato da época passada, em que o Benfica quebrou a invencibilidade do Sporting.

Com efeito, não podemos deixar de nos interrogar sobre quantos treinadores arriscariam uma vitória no campeonato sem derrotas, designadamente num jogo com o Benfica, no campo destes? A minha resposta, totalmente convicta e sincera, é: nenhum! Seria muito mais fácil assumir uma vitória para o seu currículo, mas optou por assumir a responsabilidade da derrota, convicto de foi o colectivo que saiu a ganhar, isto é, o Sporting!

O que se passou agora com o Ajax é algo de muito semelhante: tem em vista o presente com os olhos no futuro; arrisca no presente para ganhar o futuro. Isto sim, é realmente um projecto. Nem parece Portugal!...

Esta é mensagem através dos actos. Precedida daquela mensagem falada quando o Dario Essugo se estreou com o Vitória de Guimarães a época passada: quando os jovens tiverem de escolher terão aqui a porta aberta para uma oportunidade. Dario é agora o jogador mais jovem a estrear-se na Liga dos Campeões!

É muito vulgar falar em homens novos e homens velhos e, muito particularmente, em treinadores e jogadores, velhos e novos. E é verdade que no que respeita aos jogadores a idade física conta muito, mas o que importa ao caso é a idade mental.

Em todas as gerações e profissões, há homens com espíritos novos e espíritos velhos, espíritos abertos e espíritos fechados, há espíritos independentes e espíritos amordaçados ou submissos, há espíritos tranquilos e há espíritos incomodados com a tranquilidade e serenidade dos outros. No exército há furriéis e há generais: daqueles, há uns que nunca foram novos; destes há os que nunca serão velhos!

Rúben Amorim traçou uma linha para sua vida de treinador, onde se destaca a coerência nas ideias e a firmeza na acção, e, quanto a mim, é essa a condição que explica o seu sucesso.

Quando se caminha na vida de forma aprumada, com um passo certo e um de cada vez, olhando as pessoas de frente, sem desmanchar o gesto, nem alterar o ânimo e a convicção, sem encarar o futebol de forma dramática e irritada, escolhe-se o trajecto para o sucesso sólido e garantido. Caminhar aos baldões, com espírito fanfarrão quando se ganha e responsabilizando os outros quando se perde, pelo contrário, é meio caminho, ou o caminho mais directo, para o insucesso e, em consequência, para a desgraça.

A mistura da experiência e da juventude na equipa do Sporting está a ser um sucesso. Não está ao alcance de todos, infelizmente, perceber que as várias gerações se podem e devem conciliar e não virar as costas umas às outras. O que se está a passar no Sporting, gostaria eu se passasse no País, onde os velhos perderam a esperança e aos novos a vão tirando.

Na equipa do Sporting, os mais novos vão ficando mais experientes e os mais experientes vão-se sentindo mais novos, como que rejuvenescidos. O líder, treinador e mentor, a continuar assim, será cada vez mais jovem e cada vez mais experiente com a experiência. Criou, mais que uma frase, um lema: onde vai um, vão todos. Novos e velhos, passos certos e convicções firmes. Um clube antigo cada vez mais moderno na sua sociedade anónima desportiva!