Foi um luxo, senhores!

OPINIÃO07.12.202218:45

Fernando Santos apostou forte e ganhou. Ramos brilhou e a Seleção fez finalmente uma grande exibição: está a um ‘Marrocos’ da meia-final

PORTUGAL fez ontem em Lusail a melhor exibição na era Santos. Foi um arraso com muitos heróis e apenas um vencedor: o coletivo. Sempre o mais importante. A dimensão da tremenda goleada à Suíça (6-1) só surpreende quem não viu o jogo e foi um justo reflexo da enorme superioridade da equipa nacional, que teve no jovem e surpreendente titular Gonçalo Ramos (fez um incrível hat trick) o protagonista-mor de um triunfo inesquecível. 

O jogo fechou com uma verdadeira obra de arte do recém-entrado Rafael Leão e elevou muito a cotação de Portugal na bolsa de valores do Catar, liderada pelos potentados Brasil e França. Mas a jogar assim, a Seleção Nacional é candidata a tudo. Temos vários jogadores a atuarem num nível muito, muito elevado - permitam-me destacar o boss Bruno Fernandes (dois golos e três assistências até ao momento), o incombustível Pepe (que salto incrível no segundo golo!), o renascido João Félix (finalmente a juntar continuidade e consistência ao talento que indiscutivelmente possui) e o omnipresente William Carvalho (que, no seu estilo aracnídeo, é bem capaz de ser o falso-lento mais rápido e interventivo na história da Seleção) - e quando o selecionador, no primeiro mata-mata, pode dar-se ao luxo de prescindir no onze inicial do maior futebolista português de todos os tempos e do melhor jogador da Liga italiana… estamos conversados sobre a qualidade e profundidade do plantel.

O engenheiro assinou uma vitória de autor (em vários sentidos). Remeter Cristiano para o banco foi uma opção arriscada e certamente do desagrado de muita gente, mas o filme do jogo veio dar-lhe razão. Portugal jogou com enorme solidez tática e uma eficácia verdadeiramente assassina na definição, muito acima do que tem sido habitual. Isso fez toda a diferença e deve louvar-se Gonçalo Ramos pelo que fez - foi quase cada tiro, cada melro. O jovem aríete só não fez um póquer devido a uma grande defesa de Yannick Sommer. Com tamanha demonstração de eficiência (a espaços fez-me lembrar o bomber germânico Gerd Muller), estou em crer que Gonçalo ganhou a titularidade. Quem o tira agora?
 

Gonçalo Ramos, autor de ‘hat trick’, felicitado por Bernardo Silva


A Seleção apurou-se com toda a justiça para os quartos de final depois de dois falhanços consecutivos nos oitavos (Mundial-2018: Uruguai; Euro-2020: Bélgica; em ambos os casos saída pela porta pequena com futebol muito cinzento…) e o mais engraçado é que o próximo adversário não é, como quase todos esperávamos, a poderosa Espanha, mas Marrocos, o surpreendente porta-estandarte do futebol africano neste Mundial. Depois de ajustar contas (recentes) com o Uruguai e com a Suíça, Portugal tem agora uma ótima oportunidade de fazer o mesmo à seleção marroquina, com a qual perdeu de forma quase humilhante (1-3) no Mundial de Saltillo, perdão, do México, em 1986. Lembro-me bem desse desgraçado jogo no estádio 3 de Março, em Zapopan; a facilidade com que as enguias marroquinas (Bouderbala, Krimau, Khairi…) fizeram gato-sapato da atarantada defesa portuguesa foi das coisas mais deprimentes que vi numa participação portuguesa em Mundiais.

Enfim. As meias-finais do Campeonato do Mundo estão à vista pela primeira vez desde 2006.
Depois desta brutal demonstração de força com a Suíça, era uma pena não aproveitar a embalagem.
 

OS ÚNICOS ‘QUARTOS’ SEM FINAL

PORTUGAL e Marrocos são os únicos quarto-finalistas que nunca atingiram a final do Campeonato do Mundo, o que torna este duelo  o menos vistoso dos quatro em termos curriculares - mas só nesse aspeto. O nosso único duelo oficial com os marroquinos aconteceu na fase de grupos do Mundial do México/1986 (selecionador: José Torres) e correu pessimamente: derrota por 1-3, eliminação e regresso a casa. É tempo de sarar essa ferida.
 

MBAPPÉ E OS OUTROS

Oavançado-locomotiva francês de 23 anos é a grande figura do Mundial por motivos que estão à vista de todos. Não podemos ignorar o que outros jogadores têm feito (Messi,  Griezmann, Bruno Fernandes, Pepe, João Félix, Richarlison, Vinícius, Kane, Bellingham…), mas Kylian está realmente noutro patamar.

Tem confirmado no Catar que é um craque absoluto, capaz de decidir/desequilibrar qualquer jogo a qualquer momento. Resumindo numa frase: Mbappé é o golo à espera de acontecer; reúne o melhor dos dois Ronaldos (o nosso e o brasileiro) num corpo de atleta olímpico: é veloz como um raio, forte como um touro e dispara com uma força e uma precisão assassinas.

Ainda que a França seja eliminada pela Inglaterra e que o talento de Messi seja capaz de levar esta esforçada mas pouco brilhante seleção argentina à meia-final, poucos duvidarão que o trono que Cristiano e Leo partilharam durante quase duas décadas tem novo dono, francês. Depois de Kopa, Platini, Papin e Zidane, a França volta a ter um roi no trono. Veremos por quantos anos.