FC Perdeu o élan ganhador
SÉRGIO CONCEIÇÃO tornou pública a crise interna portista - com estrondo - no final da quinta final consecutiva perdida pelo FC Porto desde a goleada (6-2) ao V. Guimarães no Jamor, a 22 maio de 2011. As palavras do treinador comparado a Pedroto por Pinto da Costa foram ríspidas e dirigidas para dentro. Deu claramente a entender que ali nem todos remam para o mesmo lado. Um pecado imperdoável num clube que, durante o longuíssimo consulado de Pinto da Costa, sempre soube vender a imagem de uma fortaleza inexpugnável, com uma organização e um modus operandi interno inacessível a bisbilhotices e especulações externas.
O público desabafo-acusação de Sérgio, como ontem explicou o nosso camarada António Casanova num extenso e notável artigo sobre o momento portista, desagradou fortemente à administração portista. Está claro que ele fica até ao final da época, mas não mais. Como fica claro que o nome de Jorge Jesus, entre outros, vai voltar rapidamente à primeira linha noticiosa. Parece evidente que Sérgio tem culpas na crise futebolística. O treinador é ele e foi ele quem escolheu os reforços que custaram 60 milhões. Mesmo aceitando que não é fácil reconstruir num instante uma equipa que perdeu metade dos titulares (o Benfica perdeu Félix e Jonas) é um facto que o FCP tem jogado poucochinho e que as tensões internas (a começar por treinador-balneário) estarão a cobrar inevitável fatura. O futebol do FCP é demasiadas vezes impreciso, errático, inconvincente. Falta-lhe autoridade, a aura ameaçadora, a solidez mental que caracterizou tantos e tantos onzes portistas nas últimas três décadas. E falta-lhe (como também falta ao Benfica) uma coisa muito importante que o FCP tinha e deixou de ter: jogadores de indiscutível expressão internacional.
Recuemos um pouco à última final ganha pelo FCP em maio de 2011 (o treinador era André Villas Boas) e atentemos no que era o onze base azul e branco: Helton; Sapuranu, Rolando, Otamendi e Álvaro Pereira; Fernando, Fredy Guarín e João Moutinho; Hulk, James Rodriguez e Radamel Falcão. Pois. É uma diferença brutal para a matéria prima atual. Como há uma enorme diferença entre o plantel atual do Benfica e aqueles que Jorge Jesus teve à disposição nos três primeiros anos na Luz.
Parece-me igualmente justo lembrar que Sérgio, ganhando o campeonato na época de estreia (2017/2018), devolveu ao FCP a competitividade que o clube havia clamorosamente perdido nos quatro anos anteriores (2013-2017, com Fonseca, Luís Castro, Lopetegui, Peseiro e Nuno), os piores de toda a era Pinto da Costa. Antes de Sérgio, para avivar a memória aos mais distraídos, o FCP esteve quatro anos sem ganhar um único campeonato (!), comparecendo apenas a uma final no Jamor (perdida para o Braga) e com dois terceiros lugares a uma distância impensável de Benfica e Sporting: menos 13 e 6 pontos em 2014; menos 15 e 13 pontos em 2016. Foi também nesse quadriénio que a administração portista, ao jeito de José Sócrates com o país, levou a firma à bancarrota. Os resultados desses anos de desvario (quem esquece a carta branca de milhões a Lopetegui) ainda se fazem sentir e explicam a necessidade de o clube ter de fazer 80 milhões até junho para as contas da SAD não voltarem ao vermelho carregado. Disso não tem Sérgio culpa nenhuma.
Campeão uma única vez nos últimos seis anos, o FCP não ganha a Taça de Portugal há quase nove anos, continua sem conseguir ganhar a Taça da Liga e acumula finais perdidas (cinco, três com o Braga, duas com o Sporting) desde as últimas ganhas por André Villas Boas em 2011: em Dublin ao Braga (Liga Europa) e no Jamor ao V. Guimarães. Não conto com as Supertaças porque não são competições propriamente ditas, mas troféus-de-um-jogo-só (o FCP ganhou as cinco últimas que disputou). Discuta-se a árvore mas não se ignore a floresta: o FC Porto perdeu nos últimos anos a primazia doméstica para o Benfica (em termos internacionais é um facto que continua a ser o nosso único porta aviões), mas não perdeu só isso: perdeu qualidade, perdeu élan ganhador, perdeu poder de mando. É notório que o clube precisa de uma injeção de energia. Precisa de gente nova. Precisa de se reinventar. O facto de Pinto da Costa, com 82 anos, ser novamente o único candidato à presidência, é uma ode ao imobilismo que impede por si só a abertura - sempre salutar - de novos horizontes. E se o FCP está precisado deles.