Falta uma semana para o futebol… e 15 dias para os golpes
Há várias coisas que não se entendem no futebol, e o pior é que desistimos de entender muitas delas, tanta é a confusão e a mesquinhez demonstrada. Para quem vive do futebol - não por jogar à bola, treinar ou ser um dirigente desportivo, mas porque se instala no topo dos clubes e dali não sai nem à lei da bala, v,g, Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira -, o jogo parece não estar nas quatro linhas que delimitam o relvado, mas noutras instâncias, impercetíveis para os pobres mortais como eu.
Aviso que a expressão não sai dali nem à lei da bala é um dito popular e nenhum apelo à violência. Na verdade, sou do mais pacífico que há. Apenas dou opiniões, sem levar em conta aquilo que alguns consideram ser o interesse do seu clube, que não passam de jogadas para ganhar noutros terrenos. Sinceramente, isso irrita-me.
Para quem possa não ter ainda entendido bem do que estou a falar, tem a ver com o que se passa com Pedro Proença na presidência da Liga Profissional de futebol. Não conheço o ex-árbitro, mas pelo que vejo e pelas suas intervenções guardo boa opinião. Deve ter cometido erros, como todos nós, alguns eventualmente graves, que desconheço. Mas aquilo de que é acusado por vários clubes, e que levou o presidente do Benfica a abandonar a direção da Liga, não é erro nenhum. Pelo contrário, revela uma enorme sensatez. Deveria ter avisado os clubes que representa, e que fizeram dele presidente, da iniciativa? Com certeza, mas a falta de democracia pelos lados do futebol é mato. No entanto, penso que lhe foi fatal não tanto a ausência de comunicação, como não se ter lembrado do dinheiro que a Benfica TV ou a SportTV, ou a NOS ou a Altice poderiam perder com a sua proposta endereçada às autoridades portuguesas. Mas lembrou-se do mais óbvio: da saúde dos adeptos, da saúde dos portugueses. Um comentador da SIC (Pedro Fatela) resumiu bem aquilo que deve ser o pensamento que norteia os nossos dirigentes desportivos: «A ideia de Pedro Proença era boa, mas a saúde pública é um assunto para a DGS. A Liga tem de se preocupar com os clubes.»
Caro Pedro Fatela, apesar de isso não ser mentira, revela certa irresponsabilidade. Todos, dos clubes à Liga, dos adeptos a qualquer cidadão, têm de cuidar da saúde pública. De outro modo não há saúde pública. Porque pensar, como a angélica Diretora-Geral de Saúde, que um jogo, ao ser transmitido na Benfica TV ou na SportTV não vai juntar magotes de pessoas em locais onde a assinatura do canal exista (cafés, restaurantes, onde for), é do outro mundo. Sobretudo, se falarmos de jogos emblemáticos como o Boavista-FC Porto, o SC Braga-Porto, o Benfica-Sporting. Enfim…
Quem quer controlar quem?
Acresce que o presidente da Liga pretendia que fosse o Governo a pagar a operação, injetando dinheiro nos canais generalistas, para estes comprarem os direitos de transmissão aos seus atuais detentores. Proença argumentou que era uma forma de não ter gente à volta dos estádios e de proteger as famílias. O argumento ganha mais peso quando se sabe que de três ou quatro estádios que se previa há uns tempos, se passou para 14 ou mais, ou seja, toda a gente praticamente joga em casa, salvo uns «pobres de Cristo», como os referiu Vítor Serpa.
Há ainda a ter em conta que os clubes já ganharam os ingressos nestes jogos, pelo menos aqueles que vendem bilhetes de época (seja Game Box, Red Pass ou outra modalidade do estilo), ao passo que nem todos os adeptos, sedentos de ver futebol, mesmo que seja na desolação de um estádio vazio, se podem dar ao luxo da mensalidade dos canais premium que transmitem o futebol. Duarte Gomes, referindo-se a um jogo à porta fechada que arbitrou em Zagreb, escreveu que os adeptos são «o sal, a pimenta, o tempero do jogo». É verdade, e tal também contribui ainda mais para os ajuntamentos, a emoção de um final de campeonato em que se decide, para além do campeão, quem vai à Europa e quem desce de divisão. A desculpa para correr com Pedro Proença mostra-se, cada vez mais, esfarrapada. Talvez seja útil começar por ver quem não controla a Liga e a quer controlar. Quem quer impedir que os direitos televisivos não sejam centralizados pela Liga, como em muitos outros países. Não deve ser difícil: há sempre os suspeitos do costume, muitas vezes através de interpostos clubes.
Dia 9, quando a AG da Liga se reunir, o campeonato terá recomeçado há seis dias. Estaremos a retirar as primeiras conclusões das decisões tomadas. No auge da maior crise do futebol português, provocada pela maior pandemia dos últimos 100 anos, a mesquinhez tem fortes probabilidades de ser o principal ponto da agenda. É tão triste que dá vontade de não perder tempo com um desporto assim… mas o diabo é que ele nos entra no corpo e no espírito, e nós continuamos a olhar estes golpes, denunciá-los, discuti-los, sem nunca os alterar substantivamente.
De hoje a 7 dias
Pois o campeonato recomeça de hoje a sete dias. Começa com um Marítimo-V. Setúbal, mas segue-se um Benfica-Tondela e um V. Guimarães-Sporting. Este último é um jogo extraordinariamente difícil e decisivo, tanto que o rival direto do Sporting, o SC Braga, joga fora com o Santa Clara, mas não muito fora - é em Oeiras, na cidade do Futebol, uma vez que o Santa Clara é um dos «pobres de Cristo».
Rúben Amorim tem dado esperanças, pelo menos pelo que se lê nos jornais. As suas apostas nos jovens aparentam ser acertadas, os jogadores parecem gostar do seu estilo de treino. Enfim, há esperança - e por isso dizem que os sportinguistas têm as palmas das mãos brancas, de tanto as esfregar com a ideia de que o futuro vai ser ótimo. Porém, independentemente do jogo, o Sporting tem muito para explicar - das saídas de dirigentes aos alertas financeiros que fez o Conselho Fiscal. Sobretudo, não pode adiar uma discussão organizada que anda pelas páginas dos jornais em que escrevem sportinguistas. Há três temas, todos relacionados, que se podem resumir da seguinte forma: estatutos, governança e venda da maioria na SAD. Recusar a discussão de qualquer deles será fatídico. O Sporting não pode continuar a fechar os olhos ao seu principal problema: a falta de transparência e democraticidade, num clube onde apenas se ouvem, ou os dirigentes, ou os contestatários que utilizam a intimidação e a gritaria como modo de tentar impor pontos de vista. Saúdo, pois, o que têm escrito a este respeito Carlos Barbosa da Cruz e Dias Ferreira, esperando que a serenidade que um e outro têm demonstrado possa contribuir para soluções construtivas e que não sejam vistas como ameaças por quem está, transitoriamente como todos, nos órgãos sociais.