Entre escoceses
A primeira vitória do Benfica em competições da UEFA foi contra escoceses - 2-1 ao Hearts em Edimburgo, a 29 de setembro de 1960 (e talvez se não imaginasse o que estava para acontecer...) A segunda mão dessa primeira eliminatória da Taça dos Campeões fez-se a 5 de outubro - para esse dia proibiu-se que nas comemoração populares da queda da monarquia se depusessem flores na estátua de António José de Almeida (ou se fizessem romagens a cemitérios onde repousavam heróis da I República). O Benfica voltou a ganhar ao Hearts (por 3-0) - antes do jogo inauguraram-se 11 quilómetros de bancadas (Terceiro Anel, lhe chamaram). Américo Tomás cortou a fita - e a propaganda exaltou-lhe os olhos a embaciarem-se ao colocar em cavidade aberta na base da águia de pedra um cofre em sândalo com três caixinhas de prata cada uma contendo terra de Goa, Damão e Diu - terra do império que começara a esfarelar-se.
Logo depois incendiou-se Angola: independentistas da UPA (financiados pelos Estados Unidos) lançaram-se de catanas e canhangulos em orgia de sangue - apunhalaram, degolaram e fuzilaram, queimaram vivos fazendeiros, comerciantes, capatazes, enfermeiros, missionários, contratados. Salazar mandou fazer na Sociedade de Geografia exposição com as fotos do horror no Norte de Angola: bebés mortos a tiro dentro dos berços, mulheres desnudas com paus espetados na púbis, cabeças penduradas em estacas, corpos espalhados pelo chão com vísceras à mostra - e foi sob esse terrível pano de fundo, que, em Berna, a 31 de maio de 1961, o Benfica bateu o Barcelona por 3-2. Quem já tivesse televisão (e pouca gente tinha por cá) não viu a segunda parte porque a TV francesa (responsável pela transmissão) puxou, ao intervalo, as imagens de JF Kennedy a aterrar em Paris em direto para a Eurovisão - e só em diferido é que a RTP passou o restante. Hoje, de novo contra os escoceses do Rangers é a essa história (a do Benfica, claro) que o Benfica tem de voltar, que o Benfica tem de honrar.