Empresário de jogador, figura bizarra e cheia de poder

OPINIÃO22.08.201904:01

Em qualquer organização, inclusive num clube como o Sporting, costumamos dizer que todos são imprescindíveis. É verdade! São mesmo. Mas também é verdade que, mesmo sendo iguais, uns são mais iguais do que outros. Eu não me lembro, a não ser com muito esforço, de quem seriam os presidentes do SCP quando no clube eram goleadores Peyroteo, Lourenço, Jordão, Manuel Fernandes, Yazalde, e muitos outros jogadores (cito os mais antigos para evitar discussões supérfluas). Ou se preferirem, porque embora importantes, são menos importantes por definição, faziam belas defesas o Azevedo, o Carvalho, ou o Damas. Quero com isto dizer que um ponta de lança, ou um avançado de centro, um striker como dizem os ingleses, são sempre os meninos bonitos (desde que marquem golos, e ainda que sejam entradotes, como o eram Acosta ou Jardel).

Mas de quem não me lembro, nem com esforço, é de quem eram os seus agentes (se é que os mais velhos os tinham). Não faço ideia. Essa fauna é nova, tem a sua razão de existir (os toureiros, cantores, escritores e outros profissões de artes e letras também os têm), mas é basicamente tóxica nas relações entre clubes e jogadores.

Lembro-me do primeiro agente que vi. Foi Manuel Barbosa, também o primeiro a ser reconhecido pela FIFA. Vi-o, não lhe falei. E com mais pormenor vi o seu carro. Na altura estava à porta do Expresso, então na Rua Duque de Palmela, quando um colega meu, por sinal benfiquista, me chamou a atenção para uma infindável limusine que demorava o seu tempo a ver do início ao fim. Lá de dentro saiu um homem aperaltado, magro com um cabelão cuidadosamente penteado, que nos disseram ser Manuel Barbosa, o homem que pusera Rui Costa a jogar na Fiorentina. Faleceu cedo, há cinco anos, paz à sua alma.

Depois disso, não há defeso que não tenha os seus agentes e empresários a tornarem-se centro das atenções. Dizem que o melhor do mundo é português e se chama Jorge Mendes, e eu também lhe desejo felicidades, sobretudo porque tem nas mãos (salvo seja) Ronaldo e outros bons valores portugueses. Mas…

Há o artista e há ‘um artista’

Que me perdoem os empresários, mas mesmo entendendo que eles são necessários para tirar de cima das costas dos artistas vários fardos de problemas e burocracias, reparo que muitos deles, não sendo o artista propriamente dito, porque nada fazem pela arte, são uns autênticos artistas a ganhar dinheiro com o trabalho alheio. Põem e dispõem, não sei com que jeito, nem de que forma. Mas quando ouço que um artista assim pode ganhar numa transferência o que um alto quadro de uma empresa das boas não ganha em 10 anos fico apreensivo. Afinal o futebol gera muito dinheiro para alguns jogadores e agentes. E alguém está a pagar esse acréscimo que vai para os bolsos do agente… não há almoços grátis.

Tudo isto vem a propósito, como todos já perceberam, de Bas Dost. O seu agente, dizem, quer cerca de um milhão que lhe terão prometido. Não sei se o homem está cheio de razão, se lhe prometeram ou não, mas fico banzado. Um milhão por?... Desculpem, o que fez o senhor, que me escapou e se calhar sou capaz de fazer o mesmo por um décimo de preço?… Quem me mandou a mim não estudar esta possibilidade de ganhar a vida - não direi a mais fácil das maneiras de ganhar a vida, mas seguramente entre as mais arejadas?

Posto isto, e descarregada a bílis (que é verde, dizem), na figura do senhor Gunther Neuhaus, empresário de Bas Dost, posso falar deste momentoso problema que anda a dominar a atualidade do meu clube.

Devagar e boa letra

Há um provérbio espanhol que reza assim: «Despacito y buena letra» (devagar e boa letra). E é absolutamente certo que as coisas, para ficarem bem feitas, precisam de calma. Porque «depressa e bem há pouco e quem» (provérbio português).

Tendo já declarado a minha ignorância quanto ao negócio em si; o meu profundo desconhecimento (e desconfiança) do papel dos agentes, ou pelo menos de alguns deles; o meu claro agradecimento aos jogadores que contribuíram para o Sporting, dizendo, até, que eles ficam mais depressa na história do clube do que os dirigentes, resta-me dizer que tudo isto aplico a Bas Dost.

Bas Dost foi um prodígio a marcar golos. É um homem bastante culto para a média dos futebolistas e tem um grande amor por Lisboa. Não sei se é ganancioso ou desprendido, nem isso é agora para aqui chamado. Sei que a sua saída - sendo provavelmente necessária por razões financeiras - não devia estar a sofrer estas agruras. Devia ser aplaudido em Alvalade, devia dar um abraço a Frederico Varandas, devia dizer o que também ele deve ao Sporting.

A Direção do clube não conseguiu, não quis ou não soube que assim fosse. É pena, porque o ADN do Sporting exigia outra forma de estar e ser. Claro que sou dos que entende que isto não é o nosso maior problema, mas é obviamente o problema que os nossos adversários querem pegar. É a forma de desestabilizar um grupo que não precisa de mais desestabilização. É a forma de potenciar aqueles que estão emboscados à espera de rasteirar Varandas e os seus companheiros de Direção.

Não entendo que um clube deva ter oposição (no sentido de que na política se dá a este termo). Penso que depois de democraticamente eleita, a Direção do clube tem o direito de mostrar o que vale e o que pode, sem que a atrapalhem. E, caso não cometa atropelos aos usos, costumes e tradições (que se consubstanciam nos regulamentos e estatutos) deve ter latitude para agir. Mas também não sou dos que acham que devemos calar-nos e nunca dizer aos dirigentes o que eles poderiam ter feito melhor ou evitado.

É o que aqui faço: a Direção poderia ter evitado este espetáculo com Bas Dost. Não sei como, mas sei que o devia ter feito. Bas é (ou foi) um herói do Sporting; não merece que pareça que o escorraçamos. Por muito que o dinheiro que lhe pagamos já não faça sentido ou, pior, faça falta.

Será isto um caso importante? Também não me parece. Já gerimos mal o caso de Bruno Fernandes, que até ver continua (e que golo meteu ao Braga!) na equipa; estamos assim com Bas Dost, mas o tempo fará sempre relativizar estas crises, sobretudo se aparecer alguém que nos dê as alegrias que Bas nos deu.

No entanto, se a Direção puder emendar a mão, que o faça.