Em campanha eleitoral

OPINIÃO03.06.202004:00

NA semana da retoma do campeonato, Pinto da Costa, 82 anos, candidato a um 15.º mandado consecutivo (!) como presidente do FC Porto, deu uma entrevista ao Jornal de Noticias mas não disse substancialmente nada de novo, a não ser que o FC Porto teve de recorrer a um banco alemão para conseguir em empréstimo [para pagar ordenados] que lhe foi negado pelo Novo Banco (novo em que aspeto?), o tal que nós, contribuintes, andamos a sustentar com esporádicas injeções de larguíssimos milhões de euros. Foi uma maneira de Pinto da Costa reconhecer a grave crise que o clube atravessa embora falando sempre dela como se estivesse a ver a coisa de fora e não fosse ele, presidente em exercício há 38 anos, o principal responsável pelo estado em que o clube se encontra: intervencionado pela UEFA e esganado financeiramente a ponto de não conseguir pagar um empréstimo obrigacionista no prazo acordado. Não deixo de notar o tom quase paternalista com que Pinto da Costa, aludindo à inexperiência dos outros candidatos - José Fernando Rio e Nuno Lobo - se reclama o homem indicado para lidar «com situação tão difícil», como se não tivesse nada a ver com aquilo que a causou, quer dizer, com as calamitosas decisões que nos últimos anos deixaram as finanças do FCP na miséria que está à vista.


Enfim. Acredito que o crédito de Pinto da Costa junto do portismo é ainda tão grande [lembre-se: ele transformou aquela que era em 1982 a terceira força desportiva do país no clube português de maior expressão e melhor currículo internacional] que talvez não precisasse para ser eleito de chamar à sua lista dois ídolos azuis e brancos como Vítor Baía e Fernando Gomes e o presidente em exercício da Câmara do Porto, Rui Moreira (que se junta a Fernando Gomes e Nuno Cardoso numa espécie de santa aliança autárquico-desportiva que me parece sempre de evitar).


Creio que Pinto da Costa vai ganhar as eleições com facilidade e governar o FC Porto por mais quatro anos. No final do próximo mandato terá 86 anos e 42 de presidência (!), o que o coloca no patamar de patriarcas como o camaronês Paul Biya (87 anos), que lidera os destinos daquele país africano há 44 anos e 339 dias (como primeiro-ministro e presidente) e Ali Khamenei (80 anos), presidente e líder supremo do Irão há 38 anos. Por este andar, Pinto da Costa pode mesmo ultrapassar os 49 anos de Fidel Castro como senhor absoluto de Cuba.  


O FC Porto regressa hoje em Famalicão para o primeira das dez jornadas em falta. Se ganhar todos os jogos o FCP será campeão pela segunda vez em três anos encontrando-se numa situação de significativa inferioridade relativamente ao Benfica (financeira e não só: o poder do rival pesa muito mais). Se acontecer, será um grande triunfo pessoal de Sérgio Conceição e uma das vitórias mais saborosas de Pinto da Costa sobre o Benfica.

HOMEM providencial. Luís Filipe Vieira, 70 anos, candidato a um sexto mandato consecutivo como presidente do Benfica, também falou mas para a televisão caseira (BTV), onde, à semelhança do que acontece nos outros canais clubísticos, a vontade de fazer perguntas incómodas e não aceitar respostas evasivas não é especialmente vincada. Entre uma ou outra revelação, como a de a pandemia ter inviabilizado duas vendas de cem milhões cada (!!!); a continuidade de Bruno Lage ganhe ou perca o campeonato; e a aceitação da possibilidade do regresso de Jorge Jesus; o discurso de Vieira revela-se cada vez mais centrado nele próprio e na obra construída durante a sua presidência. Já se tinha percebido que LFV se considera o homem providencial que salvou o Benfica da descida aos infernos e lhe devolveu o bom nome e a credibilidade. Mas quem o ouve fica com a forte e crescente suspeita de que Vieira também se considera imprescindível, insubstituível e inamovível no cargo e em tudo o que tenha a ver com o futuro do Benfica. Talvez isso explique o tom paternalista-trocista com que abordou as críticas do candidato e ex-compagnon de route Rui Gomes da Silva.


É evidente que há muitas verdades no rosário auto-elogioso permanentemente desfiado por Vieira - é um facto incontestável que ele saneou financeiramente o Benfica e o apetrechou com uma estrutura logistico-desportiva de nível mundial; como é verdade que foi na [segunda metade da] sua presidência que o Benfica recomeçou a ganhar campeonatos até recuperar a primazia doméstica. Mas também é evidente que Vieira ignora propositadamente todas as trapalhadas e todos casos obscuros que se têm sucedido a um ritmo constante nos últimos anos e que tanto danificaram a imagem e o bom nome do clube. Têm sido muitos em várias áreas, mas para LFV é como se não existissem. Como se nada de relevante se tivesse passado ou sido revelado. A última trapalhada foi a OPA da Benfica SGPS sobre 28% da SAD, chumbada pela CMVM, e mais uma vez Vieira, a meu ver, não foi nada convincente nas explicações prestadas e na relação com o acionista José António dos Santos; como não foi convincente na forma como voltou a reduzir a «calúnias, denúncias anónimas e insinuações» todas as investigações judiciais e processos em que o Benfica está envolvido.


O Benfica regressa amanhã à competição com a receção ao Tondela. Bruno Lage tem dez jornadas para anular a desvantagem de um ponto (que na realidade são dois) relativamente ao FCP. Vieira conta com dez vitórias. Se o Benfica for campeão, será o sexto título nos últimos sete anos, acentuando a primazia doméstica sobre o rival portista. É claro que se ganhar um campeonato que a certa altura parecia ganho e depois estava a caminho de ser perdido (na altura da interrupção o Benfica estava em queda livre), Luís Filipe Vieira avança para as eleições de outubro numa posição mais confortável.