Eles lutam, correm e riem

OPINIÃO30.10.201900:23

RULE BRITTANIA… este é o ano da felicidade inglesa. No futebol, o desporto mais popular do Mundo, são inglesas as duas equipas porventura mais competitivas da atualidade: o campeão europeu Liverpool e o bicampeão inglês Manchester City. Na F1, é inglês o excecional piloto - Lewis Hamilton - que se prepara para ser campeão do Mundo pela sexta vez - só Michael Schumacher (7) o supera. No râguebi, a Inglaterra acaba de garantir a presença na final do Mundial do Japão (sábado, com a  África do Sul, vencedora de Gales) após cilindrar na meia-final os míticos All Blacks, verdadeiros deuses da modalidade (19-7), com uma exibição absolutamente esmagadora - a melhor de sempre de uma seleção inglesa segundo os cronistas da Albion. Lembre-se que  há pouco mais de três meses (14 julho) a seleção inglesa de críquete sagrou-se campeã mundial (em Londres, no Lord’s) após vencer a Nova Zelândia numa final renhidíssima (241/8 a 241) que fez do jogador Ben Stokes (neozelandês de origem, curiosamente) um verdadeiro herói nacional.


[ao leitor que estiver neste momento a torcer o nariz ao críquete, gostaria de lembrar que este desporto esquisito e aparentemente interminável, com origem na Inglaterra medieval, é seguido apaixonadamente em oito países da Commonwealth que somam juntos quase 2 mil milhões de habitantes - um quarto da população mundial, portanto; são eles Índia, Paquistão e Bangladesh; Reino Unido; África do Sul e Zimbabwe; Austrália e Nova Zelândia; um bocadinho mais do que o nosso hóquei em patins, reconheça-se].
Voltando ao râguebi, que é o foco deste texto. As meias finais do Mundial produziram momentos icónicos e arrisco dizer que um deles - a resposta da Inglaterra ao haka neozelandês, imaginada pelo australiano Eddie Jones, treinador dos ingleses - vai ficar na história do râguebi. Os ingleses posicionaram-se em V, com o capitão Owen Farrell, 27 anos, no vértice do triângulo a encarar de frente, em pose desafiadora (mãos nas ancas), os colossos de negro. O sorriso sarcástico de Farrell foi reproduzido em toda a Imprensa mundial no dia seguinte como o momento em que a Inglaterra começou a vencer os All Blacks. Não custa imaginar que foi isso que Eddie Jones lhe sugeriu -  ri-te, mostra-lhes que não temos medo. E não tiveram. A verdade é que exatamente 96 segundos após a conclusão do haka (menos sonoro e vibrante que o normal, diga-se) essa montanha de carne e músculos chamada Manu Tuilagi (1,85m/ 114kg) já afinfava um ensaio para os ingleses, completado pelo sorridente Farrell. Dez a zero a abrir. Como pedira o treinador. Eddie Jones, 59 anos, lembra o José Mourinho dos primeiros tempos: competente, perfecionista, hiper competitivo, provocador e impiedoso com os adversários (por vezes, também com os seus). Se a Inglaterra vencer a final, e é menina para isso, o sardónico sorriso de Farrell ficará como um dos - senão o - momentos decisivo na campanha dos Três Leões, um pouco à imagem daquele célebre drop kick de Johnny Wilkinson em Sydney-2003, que deu à Inglaterra, a 27 segundos do final, o seu único título mundial (20-17 à Austrália, estava Eddie Jones do outro lado).    


Um amigo meu neozelandês de Dunedin, na Ilha do Sul, escreveu no final do jogo: «Até os ribeiros choram.» Mas a verdade é só uma: os ingleses foram colossais e passaram por cima dos deuses do râguebi com enorme categoria. A quantidade e qualidade das suas placagens fez lembrar a resistência obstinada da Inglaterra de Churchill aos negros desígnios do III Reich Nazi: não passarão.


A outra meia-final (África do Sul, 19-Gales, 16) produziu outra imagem icónica para a  Imprensa mundial nos punhos fechados e no grito vitorioso do pequeno e veloz Faf (François) de Klerk, que compensa a fraca estampa física (apenas 1,70m) com toneladas de agressividade e impetuosidade - «este campeonato tem mostrado que o que importa é o tamanho do coração, não o do corpo», disse ele, muito apropriadamente. Faf, longa cabeleira ao vento, parece uma estrela pop dos anos setenta - podia perfeitamente ter alinhado nos Abba ou nos Bee Gees. É adorado pelos adeptos japoneses (japonesas, sobretudo) mesmo depois de ter sido o principal responsável pelo final da bela aventura nipónica. Veremos no sábado quem ri - ou sorri - no fim.  

Jesus: regresso seria passo atrás

JORGE JESUS descartou a possibilidade de regressar a Portugal no final de uma semana marcada pela qualificação para a final dos Libertadores após épica demolição do Grémio (5-0). O treinador falava aos jornalistas brasileiros no final de mais uma vitória (1-0 ao Alagoano) e pareceu convicto quando afirmou que está [cada vez mais] difícil voltar a Portugal. Sinceramente, acho que essa hipótese não faz sentido, mesmo sabendo-se que Jesus tem saudades do país, da família e dos amigos. Este é o momento em que Jesus, aos 65 anos, está a gritar para quem quiser ouvir (como em maio de 2013 e em maio de 2014) que tem qualidade de sobra para brilhar numa Liga europeia de topo. Basta ver a excelência do seu trabalho no Flamengo, que deixou meio Brasil siderado e a outra metade incomodada. Para mim é cristalino: Jesus é um grande treinador de futebol e merece expressar-se na elite - é mais que tempo! -, seria um passo atrás voltar para uma liga periférica onde só há dois candidatos ao título e a maior parte dos jogos é um bocejo presenciado por duas ou três mil pessoas em bancadas despidas. É claro que o regresso de Jesus seria bom para nós jornalistas porque ele é uma figura carismática que mobiliza, arrasta e vende; e seria bom para o clube que o acolhesse - fatalmente um dos três grandes: Benfica, FC Porto ou Sporting. Mas sejamos honestos: o que acrescentaria Jesus à sua carreira, ele que ganhou tudo o que havia para ganhar aqui (lembre-se: é o treinador que mais títulos conquistou em Portugal)? Pouco ! E que gozo lhe daria, depois do que está a fazer no Brasil ao leme de um clube gigante, voltar para vencer ou ser vice-campeão numa Liga que só tem dois candidatos e onde a competitividade é mínima?
Jesus tem um empresário influente e bem relacionado (Pini Zahavi) e está muito a tempo de pegar num Milan, num Tottenham ou num Atlético de Madrid desta vida e repetir numa liga europeia (porventura com condições superiores às que tem no Rio e melhores jogadores) aquilo que fez no Flamengo. Por uma razão muito simples: ele pode. Já todos percebemos que tem capacidade para isso.