E foi assim que o Benfica perdeu o penta
1Um tribunal húngaro - país que actualmente está longe de obedecer aos padrões daquilo a que podemos chamar um Estado de Direito - concedeu a muito aguardada extradição do hacker português Rui Pinto, solicitada pelo Ministério Público português, a pedido da Doyen, uma empresa que, segundo o próprio Rui Pinto e as autoridades francesas, é detida pela máfia do Cazaquistão. Estranho pedido de extradição este, em que tanto se empenhou a PJ, e que tem como base um suposto crime - tentativa de extorsão - a que nem sequer corresponde pena de prisão maior! Creio sinceramente que Rui Pinto exagera quando diz que, se for extraditado para Portugal, corre perigo de vida, mas não duvido que os seus ficheiros - onde se alberga uma vastidão de dados sobre o mundo submerso do futebol português e mundial, que convém a muitos que continue escondido - esses, sim, correm sério perigo de vida. E, à primeira vista, parece ser esse o principal objectivo da extradição.
Sim, eu conheço a objecção: a violação da correspondência privada é um crime. Sem dúvida. Mas, primeiro, notem que não foi com base nesse crime que foi pedida a extradição. E, segundo, ponham esse crime em perspectiva: uma coisa é violar a correspondência privada de inocentes, de quem não é suspeito de coisa alguma; outra coisa é violar a correspondência privada de quem só assim se pode provar que está envolvido em crimes muito maiores. Foi assim que foi denunciado o embuste da guerra do Iraque, o assassínio de Kashoggi, o envolvimento do Facebook e da Cambridge Annalyct nas eleições americanas, italianas e brasileiras e no Brexit, a fuga ao fisco da Google, da Amazon e do Facebook, a pedofilia no Vaticano, os escândalos bancários em Portugal e não só. Foi assim que Rui Pinto e a Football Leaks começaram também a denunciar os escândalos no futebol português e europeu, as comissões escondidas na compra e venda de jogadores, o Mundial comprado pelo Catar, a forma como os grandes tubarões do futebol europeu se concertaram com a UEFA para contornarem as regras do fair-play financeiro. E é por isso que um grupo de grandes publicações de referência e de grandes jornalistas de investigação constituíram um consórcio internacional para porem cá fora informações, baseadas justamente na violação da correspondência electrónica, e que de outra maneira não poderiam ser dadas. Deixem-se de hipocrisias e de se fingirem de virgens ofendidas.
2Ao mesmo tempo, começava num tribunal cível do Porto o julgamento em que o Benfica pede ao FC Porto uma indemnização de 17,5 milhões de euros por danos reputacionais resultantes da divulgação no Porto Canal das revelações emergentes dos emails trazidos a lume por Rui Pinto. 17,5 milhões: tal é em quanto o Benfica estima o seu bom nome. O que há de comum, e de estranho, entre estes dois movimentos judiciais - a extradição de Rui Pinto e o julgamento do FC Porto - é que ambos se baseiam no conteúdo de emails que indiciam gravíssimas actuações e procedimentos da SAD do Benfica, reveladas já há mais de dois anos, e que, a serem verdade, põem em causa toda a verdade desportiva das competições realizadas num passado recente. E, enquanto a investigação sobre isso, que é a principal e a mais urgente, marca passo na justiça comum e nem sequer se iniciou na justiça desportiva, eis que os procedimentos judiciais já estão em pleno andamento relativamente aos que deram notícia de tais factos. Ou seja: persegue-se os mensageiros, enquanto se esquece a mensagem. O método não é novo: os antigos Imperadores chineses praticavam-no habitualmente, cortando a cabeça aos mensageiros.
Mas no tribunal do Porto, como se compreende, o Benfica tem tido algumas dificuldades em explicar como é que uma entidade com proclamado bom nome na praça pode vê-lo prejudicado por notícias com origem nela mesma e que seriam de todo falsas. Uma testemunha, por exemplo, foi exemplificar que o Benfica perdeu, devido a essas notícias, um negócio de 80 milhões na China, sem explicar, porém, como é que então só pediu 17,5 milhões de indemnização. E um médico do clube foi ainda mais assertivo: o Benfica, jurou ele sob testemunho, só perdeu o penta devido ao abalo psicológico que as notícias causaram nos jogadores, no Luisão, sobretudo. Eu compreendo-os: ler aqueles emails abalava qualquer um. Quem é que se esforçaria para se opor àquele decisivo remate do Herrera na Luz, sabendo que havia ali um padre para rezar missa por eles?
3Tivesse o jogo do FC Porto com a Roma sido arbitrado por um dos comentadores de arbitragem lisboeta e os portistas jamais teriam alcançado os quartos-de-final da Champions. Só eles viram uma agressão do Brahimi e uma cabeçada do Pepe no Dzeko depois de ambos terem encostado as testas e o bósnio se ter atirado para o chão, ensaiando para a Comedia d’ella Arte. E só eles e os italianos viram, no último suspiro do jogo, o que nem o árbitro de campo, nem os juízos das linhas lateral e de fundo, nem o VAR, nem o comité de arbitragem da UEFA conseguiram ver depois de passarem e repassarem as imagens: a ponta da bota de Marega tocando na ponta do calcanhar de um jogador italiano que fugia da área para ir a lado algum. Ao contrário, o que eu vi foi uma grande arbitragem de Cuneyt Çakir, se não o melhor, um dos melhores árbitros do mundo, e que, tivesse estado no Dragão uns dias antes, não teria deixado passar impune o empurrão decisivo de Seferovic sobre Manafá que o tirou da jogada do primeiro golo do Benfica, nem o empurrão nas costas de Brahimi, a cargo de Samaris, dentro da área do Benfica.
No resto, vi um grande jogo europeu, mais um, da minha equipa. Extraordinárias, heróicas mesmo, exibições de Corona e Marega. Magníficas prestações de Herrera, Danilo e Alex Telles. Magníficos também Felipe e Pepe. Desastrado Militão, que nunca mais voltou a ser o mesmo jogador desde que foi anunciado como jogador do Real. E a confirmação de que aquele Fernando Andrade não faz ideia, nem nós, como acabou a jogar no FC Porto e na Champions.
E estamos entre os oito melhores da Europa - mais uma vez. Dirão que nos calhou a mais fácil das equipas dos oitavos. Talvez sim, talvez não. O problema é que, das 25 edições em que a Liga dos Campeões tem este formato, estamos entre as oito equipas que mais vezes atingiram os quartos. Não é só este ano, é em toda a história da prova.
4A custo, não pagámos a factura logo no jogo contra o Feirense. Relvado curto, golo do adversário aos 4 minutos, quando a equipa parecia ainda nem ter ouvido o apito inicial do árbitro, jogo com longas interrupções nas piores alturas (até por falta de luz no estádio!), e um erro, de apenas aparente detalhe, por culpa própria: a escolha de um equipamento de cor adequada para operações furtivas, que dificultava a visibilidade dos jogadores uns para os outros, tornando mais difícil o jogo colectivo e deixando o destino entregue à sorte das bolas paradas e ao trabalho dos treinos. Em cima de tudo isso, o imenso e indisfarçável desgaste de quem tinha jogado terríveis 120 minutos quatro dias antes e três jogos decisivos nos dez dias anteriores. Sérgio Conceição arriscou até ao limite, mantendo em campo os mesmos da quarta-feira anterior, até quase tombarem de exaustão.
Mas lá continuamos na luta! E agora, encostados ao Benfica, por gentileza do Belenenses. Aqui entre nós, eu tinha uma fezada neste jogo e nos homens do Belém, e não me desiludiram! Podem estar proibidos de usar a cruz de Cristo nas camisolas e ter de jogar fora do Restelo, mas roubaram 5 pontos ao Benfica neste campeonato e são eles que erguem lá no alto da tabela o nome do clube. Essa é que é essa!